Estaleiro Navship, em Navegantes: município também se beneficiará de projeto da Marinha – Foto: Divulgação

Com contrato de R$9 bilhões, empresa vai construir quatro fragatas de guerra em Itajaí

  • 07/04/2022

A última fragata será entregue em 2029, mas desdobramentos do projeto devem continuar a movimentar a região ao longo de todo o ciclo de vida traçado para as embarcações

No próximo mês de setembro, a indústria de construção naval de Santa Catarina inaugura na prática uma nova e aguardada fase. Dois anos e meio após assinar um contrato de US$ 1,6 bilhão (quase R$ 9 bilhões) com a Emgepron, empresa pública que atua na gerência de projetos da Marinha do Brasil, o Consórcio Águas Azuis vai começar a construir em Itajaí a primeira de quatro fragatas classe Tamandaré. A produção das embarcações promete revolucionar não apenas o poderio militar brasileiro no Oceano Atlântico, mas todo o cluster naval dos arredores da foz do Rio Itajaí-Açu, que ainda busca uma recuperação após o baque causado desde 2014 pela crise na Petrobras e pela queda mundial do preço do petróleo.

A última fragata será entregue em 2029, mas desdobramentos do projeto devem continuar a movimentar a região ao longo de todo o ciclo de vida traçado para as embarcações, entre 35 e 40 anos – sem contar os planos de vender projetos similares para outros países da América do Sul. Além da gigante alemã thyssenkrupp Marine Systems, o Consórcio Águas Azuis conta com a participação da Embraer e sua subsidiária Atech. A base do projeto será o thyssenkrupp Estaleiro Brasil Sul (tkEBS), como foi rebatizado o estaleiro Oceana, adquirido em Itajaí pela empresa alemã em 2020.

Antes mesmo de começar a construir, o Águas Azuis já se tornou o segundo maior arrecadador de ISS de Itajaí, atrás de uma importadora e à frente da APM Terminals, principal arrendatária do Porto de Itajaí. Com 310 mil metros quadrados de área, o tkEBS passa atualmente por uma fase de setup, com revisão e adequação de sistemas e equipamentos, qualificação de processos produtivos e a construção, a partir de março, de uma unidade piloto estrutural dos navios (mock up), que deve servir para validar procedimentos e processos fabris das quatro fragatas da Marinha.

A produção será feita com pelo menos 30% de conteúdo local na primeira unidade e 40% a partir da segunda, proporcionando uma gradual transferência de tecnologia em engenharia naval para a fabricação de navios militares e sistemas de gerenciamento de combate e de plataforma em solo brasileiro. As fragatas serão baseadas no projeto alemão MEKO, já utilizado em 82 embarcações em operação em marinhas de 15 países.

“Tão importante quanto o movimento econômico do projeto é que ele traz tecnologias que colocam Santa Catarina no estado da arte do setor”, diz Mario Cezar de Aguiar, presidente da FIESC, que trabalha para a aproximação da indústria do Estado com as Forças Armadas (leia o box). A percepção é compartilhada pelas empresas do setor naval. “O projeto vai trazer emprego, renda, conhecimento e novas empresas, fomentando a criação de um cluster tecnológico naval”, afirma Leonardo Campos Freitas, assessor executivo do Sindicato das Indústrias da Construção Naval de Itajaí e Navegantes (Sinconavin).

Dois mil empregos diretos e 6 mil indiretos devem ser gerados no auge da produção das fragatas. Somado ao estoque atual de vagas dos outros estaleiros da região, o projeto deve ajudar a ultrapassar o recorde de empregos do auge do ciclo de óleo e gás, quando mais de 10 mil pessoas trabalhavam no setor.

Ocupando ambas as margens das últimas curvas do Rio Itajaí-Açu, a indústria naval de Itajaí e Navegantes viveu anos prósperos com a intensificação da exploração das jazidas do Pré-Sal na costa brasileira a partir do começo dos anos 2000. Naquele período, mais de 85% da produção brasileira de petróleo e gás já ocorria no mar, e eram investidos bilhões de reais em obras de ampliação e modernização da capacidade produtiva e construção de novos estaleiros em todo o País, atraindo investidores internacionais.

PODER DE COMBATE

Características das fragatas classe Tamandaré

  • 107,2 metros de comprimento
  • Boca máxima de 15,95 metros
  • Deslocamento de 3,5 mil toneladas
  • Sensores de última geração
  • Lançadores de mísseis e torpedos
  • Recursos stealth, de redução de visibilidade ao radar
  • Capacidade para 136 tripulantes, um helicóptero e um drone

Novos nichos | Com a crise do óleo e gás o número de empregados no setor caiu 60%. Mais da metade dos estaleiros dos dois municípios – incluindo gigantes como a Keppel Singmarine, de Cingapura, e a holandesa Huisman – fechou as portas ou ficou em stand by. O próprio Oceana, moderno estaleiro inaugurado em 2013 e que hoje pertence à thyssenkrupp, estava desde 2018 parado. A exceção ficou para os estaleiros especializados em embarcações de lazer, como lanchas e iates, que cresceram no período. Quem dependia da indústria petroleira teve que se readequar e diversificar seus nichos de atuação.

Dois dos principais fornecedores do setor desde aquele período são a Navship e a Detroit Brasil, hoje os maiores estaleiros de Navegantes e Itajaí. Juntos, eles chegaram a deter 17% do market share na construção de embarcações de apoio, segundo dados de um relatório publicado em 2012 pelo BNDES.

A Navship foi fundada em 2005 pelo grupo americano Edison Chouest Offshore. No auge da produção de embarcações de apoio chegou a contar com 2.300 funcionários. Com a crise, o número caiu para 500. Mas o estaleiro seguiu ativo, trabalhando com a construção, reparo e conversão de embarcações próprias e de terceiros. E nos últimos dois anos a empresa começou a sentir uma melhora gradativa nos negócios, retomando encomendas interrompidas para a Petrobras e dobrando o número de empregados.

Desde novembro a Navship fina­lizou a construção de duas RSVs (ROV Support Vessel) para a estatal, a Paulo Cunha e a Bram Spirit, navios de alta tecnologia preparados para lançar e operar robôs submarinos (os ROVs) utilizados nas plataformas de exploração. Para 2022 está retomando a construção de um PSV, navio especializado em suprir as plataformas. “A empresa possui uma alta demanda de reparo e conversão para 2022, com o dique seco bastante ocupado. Novas demandas devem surgir em breve, em vista da necessidade da frota precisar ser constantemente atualizada”, aposta o gerente administrativo da Navship, Rafael Theiss.

 

Estaleiro Navship, em Navegantes: município também se beneficiará de projeto da Marinha – Foto: Divulgação

Chilena | Braço de uma multinacional chilena, a Detroit Brasil foi inaugurada em Itajaí em 2002, e até o final do ano passado já havia concluído 115 embarcações, entre elas 17 PSVs para o setor de óleo e gás. Além do estaleiro em Itajaí, onde são produzidas embarcações de alta tecnologia como os wellboats (leia o box), a empresa também atua em toda a costa brasileira através da Starnav, considerada um dos maiores players nacionais do setor de apoio marítimo e portuário.

A diversificação e o fato de contar com uma frota própria fizeram com que tanto a crise de 2014 quanto a pandemia tivessem impacto relativamente reduzido nos negócios. Segundo o diretor administrativo e financeiro corporativo Juliano Zimmermann de Freitas, desde a sua fundação a Detroit não teve um dia de inatividade. Apesar disso, o número de funcionários hoje é menos da metade do que era em 2016, quando foram concluídas as encomendas dos 17 PSVs. “A partir de então sentimos a ausência de novos pedidos. Mas, para os próximos anos, teremos um processo de renovação e acreditamos na retomada da indústria do petróleo, que é essencial para o nosso setor crescer”, analisa o executivo.

De acordo com a Emgepron, responsável pelo projeto das fragatas da Marinha, o ciclo da indústria de óleo e gás deixou um legado de mão de obra especializada que pode ser treinado para atender às necessidades do projeto. Além disso, segundo relatório encomendado pelo município de Itajaí à consultoria Neoway, existem quase 3.500 empresas ligadas ao setor naval e outros potenciais fornecedores, como empresas de construção civil, num raio de 10 quilômetros a partir do tkEBS.

A Prefeitura de Itajaí, por seu lado, trabalha nas contrapartidas ao projeto. De acordo com o secretário de Desenvolvimento Econômico do município, Thiago Morastoni, projetos de mobilidade devem criar quatro quilômetros de novas avenidas na região dos estaleiros, em um investimento de R$ 60 milhões. “O contrato com o Consórcio Águas Azuis traz oportunidades para o trabalhador de Itajaí e de toda a região. O município se mostrou aberto às demandas de mobilidade e até se dispôs a auxiliar na contratação e qualificação de mão de obra. Somos uma cidade com rico histórico na construção naval e com possibilidades reais de parcerias entre governos e universidades, fomentando ainda mais a inovação”, avalia o secretário.

Dinamismo | O secretário de Desenvolvimento Econômico e Receita de Navegantes, Rodrigo Leonardo Vargas Silveira, também acredita nos benefícios que a construção das fragatas trará para o outro lado do Rio Itajaí-Açu. “Vai também absorver mão de obra daqui e mexer com a economia de toda a região, trazendo mais consumo e dinamismo”, avalia. Para entrar no jogo, uma das medidas adotadas no município foi baixar o ISS para empresas de tecnologia de 5% para 2%. “A cidade passa a competir melhor por empreendimentos do setor, que devem ser atraídos em virtude do projeto da Marinha e outros”, aposta Silveira.

TECNOLOGIA AVANÇADA

Papel de cada empresa na construção das fragatas em Itajaí

  • Thyssenkrupp: Fornecerá tecnologia naval da plataforma de construção de navios de defesa da Classe MEKO, que já opera em 15 países
  • Embraer: Integrará sensores e armamentos ao sistema de combate
  • Atech: Fornecedora do Sistema de Gerenciamento de Combate (CMS) e do Sistema Integrado de Gerenciamento da Plataforma (IPMS)
  • Engepron: Desenvolve e gerencia projetos de engenharia naval para a Marinha do Brasil. Conta com escritório dentro do estaleiro em Itajaí
Fonte: Visor Notícias – Silvio Matheus