A indústria naval brasileira vive um período desafiador, mas enxerga um horizonte de novas oportunidades. Essa é a visão do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), que completou recentemente 67 anos de existência. Ao longo de toda essa trajetória, a entidade viu os momentos de ouro do setor naval brasileiro. A realidade atual, no entanto, é outra. Com pouquíssimas encomendas, os estaleiros do país estão, em sua maioria, apenas realizando serviços de reparo. Um desperdício e tanto de talentos e conhecimento técnico. O vice-presidente executivo do Sinaval, Sergio Bacci, lembra que o país já teve mais de 40 estaleiros em funcionamento. Hoje, são apenas 24. “No período de 2004 a 2014, foram construídas 250 embarcações offshore no país. Naquele período, a Petrobrás ainda encomendava no Brasil e existia uma política de conteúdo local fortalecida”, recorda. Ainda assim, Bacci diz que o setor tem um certo otimismo para o futuro. Uma das oportunidades em vista é oferecer os estaleiros para atender possíveis demandas do mercado eólico offshore. “Isso está no radar da indústria naval. Estamos conversando para que os estaleiros estejam preparados assim que essa demanda existir”, afirma. O entrevistado também revela que o Sinaval vai entregar propostas do setor para os candidatos à Presidência nas eleições de 2022, destacando as principais demandas do segmento. O documento vai propor, entre muitos pontos, a volta das construções da Petrobrás no Brasil, a criação de uma política de Estado para a indústria naval e a revisão da política de conteúdo local. “Acreditamos que não é preciso chegar a 65% [de conteúdo local], como era antes, mas qualquer coisa em torno de 45% e 50% seria um número bastante importante”, projetou.
Nesse momento em que o Sinaval completa 67 anos, gostaria que falasse um pouco sobre como a entidade está avaliando o momento atual da indústria naval brasileira.
Ao longo de sua existência, o Sinaval sempre pautou a sua atuação na defesa dos interesses do Brasil, gerando muito emprego através dos seus associados. Desde a criação do Sinaval, muitos estaleiros foram construídos no Brasil, gerando muitos empregos. Infelizmente, esse setor é feito de baixas e altas. No momento atual, estamos em baixa. Contudo, em um passado recente, a indústria naval estava gerando muitos empregos. O Sinaval comemora seus 67 anos em um momento ruim para a indústria, mas temos uma expectativa que, em um futuro breve, as encomendas nos estaleiros nacionais possam ser retomadas.
Poderia fazer um balanço geral sobre a situação dos estaleiros brasileiros?
A situação dos estaleiros brasileiros está difícil. Em 2014, o país contava com 42 estaleiros construindo embarcações. Hoje, nós temos cerca de 24 unidades funcionando. A maioria desses estaleiros está, basicamente, trabalhando em serviços de reparo naval. As atividades de construção estão concentradas em alguns poucos estaleiros. Os estaleiros da região Norte, por exemplo, estão construindo algumas barcaças. O Jurong, no Espírito Santo, também tem alguma atividade. Em algumas situações, também surgem construções para o estaleiro Keppel, por conta de demandas que surgem da matriz da empresa, em Singapura. O restante da indústria vive basicamente de serviços de reparos. Mas, como eu disse antes, estamos com uma expectativa para a retomada do setor.
Do ponto de vista do Sinaval, quais são as medidas necessárias para viabilizar o reaquecimento da indústria naval brasileira?
Eu costumo dizer que, na vida, não podemos ficar inventando a roda. Até porque a roda já foi inventada há muitos anos. A história da indústria naval no mundo mostra que, independentemente da matriz ideológica dos países, toda a indústria naval só funciona se tiver um apoio do governo. A China, por exemplo, que tem uma ideologia mais socialista, tem o Estado como acionista dos estaleiros. O Japão, por sua vez, que é um país mais capitalista, tem uma política de conteúdo local e até mesmo, às vezes, uma taxa de financiamento negativa.
No país mais capitalista do mundo, os Estados Unidos, existe uma reserva de bandeira através do Jones Act. Por conta dessa norma, os navios para a cabotagem precisam ser construídos nos Estados Unidos e tripulados por americanos. Então, nos locais onde a indústria naval é forte, é porque existe a mão forte do Estado ajudando de alguma maneira.
Aqui no Brasil, quando isso aconteceu, a indústria naval foi competitiva. No período de 2004 a 2014, foram construídas 250 embarcações offshore no país. Naquele período, a Petrobras ainda encomendava no Brasil e existia uma política de conteúdo local fortalecida. Além disso, existia também um financiamento bastante atrativo com a Marinha Mercante. Por isso, os estaleiros estavam funcionando a pleno vapor. Mas, de 2014 para cá, o que vimos foi um retrocesso. A política de conteúdo local foi praticamente por água abaixo para atender interesses das petroleiras. Enquanto isso, o Fundo da Marinha Mercante arrecada, mas não consegue financiar ninguém, porque não tem demanda.
Então, ao nosso ver, a indústria naval brasileira precisa de uma política de Estado. Não adianta o país ter só uma política de governo para a indústria naval. O que acaba acontecendo é que um determinado governo ativa a indústria naval, enquanto o seu sucessor deixa esse setor de lado. Então, deveríamos deixar de ter políticas de governo e passar a ter uma política de Estado. Em paralelo, queremos também diversificar a nossa indústria.
Seria muito interessante se falasse mais sobre esse interesse na diversificação da indústria naval brasileira.
Hoje, basicamente, a indústria naval sobrevive quando tem obras da indústria do petróleo. Mas há uma nova matriz energética aparecendo, que é a energia eólica offshore. Haverá uma demanda grande para esse setor. Por isso, a indústria naval está trabalhando no sentido de oferecer serviços dos estaleiros para a indústria eólica. Não só através do fornecimento de embarcações, como também para construção das torres eólicas.
Estamos buscando informações, conversando com o governo e as entidades representativas do setor eólico. Ainda não existe uma demanda concreta no setor eólico offshore. O governo apresentou um estudo do mapeamento de potenciais plantas de energia eólica na costa brasileira. É uma coisa impressionante. Isso está no radar da indústria naval. Estamos conversando para que os estaleiros estejam preparados assim que essa demanda existir.
Diante desse período de estagnação da nossa indústria naval, o Brasil tem perdido muita qualificação técnica?
Estamos praticamente há sete anos com a nossa indústria em decadência. Então, se retomarmos a atividade do setor hoje, muitos profissionais que eram muito qualificados no passado vão precisar de um novo treinamento. Como todos nós sabemos, a tecnologia avança a passos largos. Por isso, precisaremos de uma requalificação de mão de obra assim que a indústria naval for retomada.
Mas acho que isso não será um problema. No passado, tivemos períodos de estagnação da indústria naval. Mas nos momentos de retomada, vários cursos de qualificação surgiram. Um exemplo concreto disso foi Pernambuco, que não tinha histórico de indústria naval, mas que conseguiu formar profissionais muito qualificados.
Por fim, o senhor pode falar das próximas ações do Sinaval no sentido de fomentar o setor?
Este é um ano eleitoral e um dos papéis fundamentais do sindicato é dialogar com todas as forças políticas que estão colocadas na disputa presidencial. Desde 2010, o Sinaval prepara um documento para ser entregue a todas as forças políticas, reunindo as demandas da indústria naval. Para este ano, essa é a grande tarefa do sindicato.
Nosso documento tem alguns pontos. Um deles é a política de conteúdo local, que precisa ser revista. Do jeito que está, não há condições de realizar construções no Brasil com essa atual política de 25%. Acreditamos que não é preciso chegar a 65%, como era antes, mas qualquer coisa em torno de 45% e 50% seria um número bastante importante.
Outro ponto é a política industrial. O Sinaval acredita que a indústria naval precisa estar dentro de um contexto de política industrial de Estado. O terceiro ponto é a retomada, por parte da Petrobras, das construções de embarcações offshore no Brasil. A indústria naval brasileira já foi muito bem-sucedida nisso. Se houver essa retomada, é possível reativar a indústria em um curto espaço de tempo, com um setor naval bastante agressivo em termos de qualidade e preço.