Há esperança para 2023, mas estaleiros precisam estar preparados para eventual retomada ou aumento das atividades
Há mais de 10 anos, a indústria naval tem sofrido com uma escassez de projetos na área. Assim como em todos os países do mundo que têm ou tiveram relevância no setor, o setor julga necessário e urgente uma política industrial. Para especialistas ouvidos pela Portos e Navios, 2023 será o ano em que o tema voltará ao centro novamente, mas será imprescindível que os estaleiros estejam com elevado grau de preparação, capazes de em pouco tempo se remobilizar para atender a grandes projetos e para reciclar os profissionais que foram deixados de lado.
Ricardo Ávila, diretor operacional da Ecovix Construções Oceânicas, acredita que a desmobilização em massa ocorrida entre 2015 e 2016 e a paralisação das grandes obras de construção no Brasil como refinarias, complexos petroquímicos e estaleiros obrigaram os trabalhadores especializados a buscarem alternativas para se sustentarem.
“Muitos desses profissionais viraram pequenos empreendedores, mudaram de ramo e hoje pensam duas vezes antes de voltar ao mercado onde foram formados e que hora se reaquece. A sazonalidade dos projetos é sempre pesada pelo trabalhador na hora de aceitar uma proposta de emprego com prazo definido. Por isso, a necessidade de um planejamento de médio/longo prazo para a indústria da construção voltar a atrair bons profissionais”, comentou Ávila.
O diretor da Ecovix, responsável pelo Estaleiro Rio Grande (RS), afirmou que o prejuízo foi enorme para o setor, com milhares de horas de treinamento ‘jogadas no lixo’ e com a paralisação das obras e construções. “A curva de aprendizado de um estaleiro, dependendo da complexidade do que produz, pode chegar a cinco anos. Imagine que esse foi, mais ou menos, o quanto durou a vida dos grandes projetos dos estaleiros brasileiros, ou seja, quando estavam chegando num nível interessante de formação e produtividade, foram paralisados”, lamentou.
Segundo o professor do Programa de Engenharia Oceânica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Floriano Pires, o processo de aprendizagem não é de curto prazo. Ele requer continuidade tanto nas instituições de ensino e treinamento, como, principalmente, nos estaleiros e nas empresas de engenharia. “Esse processo, apesar dos problemas, estava em andamento. O desmonte da indústria naval interrompeu o ciclo de capacitação. Uma eventual retomada vai exigir um grande esforço para recuperação do que já se tinha alcançado. Se não houver uma reversão da tendência atual, em curto prazo, a perda de capacitação poderá tornar-se irreversível”, alertou.
Pires afirmou que a demanda por recursos humanos qualificados na construção naval e no setor de engenharia é muito pequena. As políticas relativas ao setor não viabilizam a recuperação nem da indústria nem da engenharia. “O setor tem grande potencial de contribuição para o desenvolvimento do Brasil. Mas para isso, como em todos os países do mundo que têm ou tiveram relevância na indústria naval, é necessário uma política industrial. Eu diria que existe alguma expectativa de esse tema voltar à pauta do debate nacional em 2023”.
De acordo com Sérgio Bacci, vice-presidente executivo do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), nesse momento ainda não há uma grande demanda de profissionais no setor. “Esperamos que com o novo governo [Luiz Inácio Lula da Silva (PT)] assumindo, tenhamos uma demanda de embarcações sendo construída no Brasil e, com isso, possamos retomar os empregos no Brasil e buscar esses profissionais no mercado”, comentou.
Para Ricardo Ávila, da Ecovix, é essencial investir em tecnologia nesse momento. “Os estaleiros nacionais eram bastante tecnológicos, mas já se passaram quase 10 anos desde quando funcionavam a pleno. Será preciso investir novamente em P&D, novas máquinas, novas técnicas e uma reciclagem de toda a cadeia. Estamos em plena era da Internet das Coisas (IoT), da Indústria 4.0 e os estaleiros não ficarão imunes a isso”, relembrou.
Assim como Ávila, o diretor comercial do Estaleiro Mauá (RJ), Arialdo Félix, acredita que os estaleiros precisam estar preparados para uma eventual retomada ou aumento das atividades nos próximos anos. “Isso implica em investimentos na aquisição de equipamentos com tecnologias de ponta, que entregam maior produtividade com baixos custos operacionais e de manutenção, sem esquecer na contínua capacitação de seus recursos humanos. O desafio é gigantesco, mas os estaleiros já passaram por isso e obtiveram excelentes resultados”.
Bacci, do Sinaval, concorda e afirma que a tecnologia tem avançado muito e o Brasil precisa ir atrás dessa tecnologia para poder se adaptar e ser competitivo nos processos produtivos. Ele enfatizou que é crucial haver demanda e financiamento. “Hoje, temos 42 plantas industriais preparadas para a retomada da indústria naval, os estaleiros estão aí. O que você pode ter é uma tecnologia um pouco defasada, mas que, em curto espaço de tempo, os estaleiros possam se qualificar para atender a demanda que vier. Estamos muito otimistas para que o próximo governo retome as construções e esperamos que, em um breve curto espaço de tempo, tenhamos boas notícias para a indústria naval brasileira”, avaliou Bacci.