Grupo formado por representantes sindicais defende pontos como revisão do conteúdo local e criação de uma política de Estado para atividade independente dos governantes que estiverem no poder
Dirigentes sindicais que compõem o ‘Fórum de Retomada da Construção Naval’ estão otimistas que o governo estimulará o fortalecimento da indústria e das atividades ligadas a ela nos próximos anos. Em reunião no começo do mês na sede do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), no Rio de Janeiro, os membros do grupo discutiram propostas voltadas para reaquecer o setor. Nas últimas semanas, eles também participaram de encontros com representantes do segmento de apoio marítimo, da Transpetro e aguardam audiência com o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates.
O Fórum tem procurado dialogar com as principais partes interessadas, dentre outros objetivos, a construção de navios e plataformas. A construção no Brasil costuma gerar bastante debate em aspectos como os altos custos de projetos em estaleiros nacionais versus os benefícios como a geração de empregos e desenvolvimento da cadeia produtiva. Nos últimos 10 anos, o setor convive com falta de grandes projetos de construção naval e os estaleiros basicamente vêm se dedicando a reparos e olhando para novas oportunidades. Atualmente, há uma expectativa em torno do governo Lula fomentar políticas voltadas para construção, como em governos anteriores.
Durante a reunião, o Sinaval sugeriu a criação de uma ‘Secretaria Nacional da Indústria Naval’ e a inclusão da atividade de “reciclagem de embarcações e plataformas” no escopo de propostas. Após esse encontro, o Fórum participou de agendas com representes de empresas que operam apoio marítimo e também aguardam audiência com o presidente da Petrobras. O Fórum é composto por representantes de entidades como CTB, CUT, CNM, Conttmaf, CRT-RJ, Fitmetal, FNTTAA, FUP, Senge-RJ, sindicatos dos metalúrgicos (do Rio de Janeiro, de Niterói e de Angra dos Reis) e Sindmar.
“O diálogo com o governo, na verdade está iniciando. Mas, como o próprio presidente (Lula) prometeu que vai retomar a indústria naval. A ansiedade é grande, mas continuamos fazendo a nossa parte”, afirmou à Portos e Navios o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Niterói, Edson Carlos. Ele acredita que a falta de emprego no Brasil está desequilibrando a sociedade e a indústria naval pode dar uma resposta positiva rapidamente.
Para isso, ele defendeu reverter algumas iniciativas tomadas no governo passado, como o programa de cabotagem, criado pela Lei 14.301/2022. “A BR do Mar atrapalha muito. Nenhum governo em sã consciência aprovaria uma lei dessas. Entregar a costa e a navegação interior às embarcações estrangeiras. A costa é questão de soberania nacional. Navio brasileiro, de bandeira brasileira, tripulado por brasileiro. Isso ajuda na nossa ideia: Criar uma política de Estado para a indústria naval brasileira”, comentou Edson.
Ele acrescentou que o conteúdo nacional é crucial para a retomada da indústria, sendo importante o retorno de índices maiores, sem a condição de construir no exterior ou multas sem direito a recursos para não pagá-las. Os índices de hoje não estão ajudando em nada, nem ao país, nem ao povo e nem as empresas nacionais. Edson sugere que o conteúdo local pode ser discutido por tipo de embarcação e ser progressivo ao passar do tempo. Para o sindicalista, a discussão sobre a retomada deve ser colocada como prioridade pelo governo.
Segundo Edson, existem muitas possibilidades que podem ser estudadas. Uma delas é ampliar a frota da Transpetro que, segundo ele, nunca teve tão poucos navios próprios e tantos afretados. “É evidente que vinha numa grande intenção de ser privatizada, talvez, nem de quando da sua criação enquanto Fronape. Então é preciso recompor sua frota”, apontou. Além da volta da construção de plataformas de petróleo no Brasil, o sindicato é a favor do estabelecimento de uma obrigatoriedade para os armadores nacionais da cabotagem construírem no Brasil, como única condição de utilizarem os recursos do Fundo da Marinha Mercante (FMM).
Outra proposta é no sentido de aprimorar a ideia de fomento para mais tipos de embarques em embarcações. “A geração de emprego será automática. A nossa perspectiva é que, já no próximo ano, tenhamos gerado milhares de novos empregos”, espera. Ele contou que a reunião com o Syndarma/Abeam aconteceu na semana passada e foi positiva. Segundo Edson, o ponto mais discutido e com algumas divergências com o segmento de apoio offshore é o BR do Mar. “Nós trabalhadores pedimos a revogação da lei, eles acham que existem pontos bons, mas concordam que, no conjunto, é mais prejudicial ao sistema marítimo e de construção naval do Brasil, do que benéfico”, afirmou. Em relação à audiência do Fórum com Prates, a expectativa é que ocorra após a reunião do conselho da Petrobras, prevista para o próximo dia 27.
O Sinaval avalia que as oportunidades que o Fórum vislumbra e defende coincidem com as avaliações da entidade. O Sinaval identifica a necessidade de medidas para a retomada da indústria naval e offshore que precisam ser tomadas pelo governo e pelas empresas demandantes, como a Petrobras e a Transpetro. O entendimento é que existem plataformas de petróleo, barcos de apoio marítimo, petroleiros, aliviadores e gaseiros que dependem de decisões dessas empresas quanto à contratação. “O segmento industrial naval brasileiro tem condições de executar uma boa parte dessa demanda. Hoje, as plataformas estão sendo construídas na Ásia, restando aos nossos estaleiros uma parte menor nesses contratos, como a construção de alguns módulos e a integração das plantas de processo”, afirmou o sindicato à reportagem.
O Sinaval vislumbra como um novo mercado as atividades de desmonte e reciclagem de embarcações e estruturas marítimas, para as quais o sindicato está pleiteando que os estaleiros participem com destaque. Outra oportunidade no radar dos estaleiros, mais para médio prazo, é o mercado de energia eólica no mar, que deve se desenvolver nos próximos anos. “O Sinaval estima a necessidade de muitos navios de apoio semelhantes aos que já construímos para as atividades nas plataformas marítimas”, avalia a entidade.
Na visão do Sinaval, a atividade de reparação naval vai continuar no Brasil. Os estaleiros de grande porte, sem contratos de construção, estão recorrendo ao reparo naval para sobreviverem, além de também operarem como terminais de uso privado (TUPs). A leitura é que, se houver contratos de construção, esses estaleiros retornarão ao mercado de produção de grandes navios, porém sempre haverá oportunidades no mercado de reparação naval, para navios de todos os tipos e tamanhos.
A avaliação é que, tendo sucesso em nossos pleitos, a indústria naval e offshore voltará à atividade num nível bem mais elevado que o atual. “O diálogo com o novo governo está sendo muito produtivo e temos boas perspectivas de sermos atendidos em diversos pleitos que fizemos. O relacionamento está positivo e cremos que a retomada vai ser possível, depois de muitos anos de baixa atividade”, informou o Sinaval.
Para o Sinaval, a retomada ocorrerá se forem tomadas as providências adequadas. Algumas das medidas propostas podem permitir resultados em curto prazo, enquanto outras serão para resultados de médio e longo prazo. O desejo do sindicato é, ao término do atual mandato presidencial, tenham sido lançadas bases sólidas para um progresso contínuo e permanente da indústria. O Sinaval reforçou a necessidade de uma política de Estado para a indústria naval e offshore ser ressaltada em todos os contatos junto ao governo, a fim de acabar com a dependência da vontade e das ações de cada governante em seu ciclo.
Levantamentos do Sinaval mostram que, após a construção naval atingir o ápice com mais de 80.000 empregos em dezembro de 2014, houve uma grande queda no número e hoje o número de postos de trabalho no segmento caiu para aproximadamente 20.000. A interpretação do sindicato é que a redução dos empregos foi grande, uma vez que a indústria naval e offshore tem um grande fator multiplicador em sua cadeia de fornecedores e prestadores de serviços.
O objetivo é que, numa eventual retomada, esse número de empregos perdidos seja aos poucos recuperado. O Sinaval avalia que a necessidade de atualização e treinamento devido à longa paralisação não será um problema intransponível. “Os trabalhadores têm consciência das dificuldades que terão de superar e certamente responderão à altura, como já ocorreu em situações difíceis no passado. Estamos tranquilos quanto a isso. Se a retomada acontecer como estamos prevendo, os trabalhadores de nossa indústria serão beneficiados. Os empregos de qualidade voltarão”, projetou o Sinaval.
O secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aquaviários e Aéreos, na Pesca e nos Portos (Conttmaf), Odilon Braga, resume que o Fórum tem procurado dialogar sobre a construção de navios e plataformas. “Nosso objetivo é consensuar posições que possibilitem um diálogo mais efetivo com o governo em prol da retomada da atividade de construção naval, valorizando o emprego de trabalhadores locais e o fortalecimento da indústria nacional, de forma a contribuir com o desenvolvimento do Brasil”, afirmou Braga.