Frente parlamentar mira política de Estado para indústria naval, diz Lindenmeyer

  • 29/06/2023

Presidente da frente mista, que será lançada na próxima semana, defende índices gradativos de conteúdo local e maior participação de embarcações e tripulantes brasileiros na frota em AJB.

A Frente Parlamentar Mista em Defesa da Indústria Naval Brasileira será lançada, na próxima terça-feira (4), na Câmara dos Deputados. O deputado federal Alexandre Lindenmeyer (PT-RS), presidente da Frente, disse que os trabalhos vão ser direcionados para uma política de Estado para garantir solidez a essa cadeia, que no país sofre, ao longo de décadas, com o revezamento de ciclos de alta e baixa. Lindenmeyer contou que o grupo também vai discutir o melhor caminho e a necessidade de uma revisão da Lei 14.301/2022, que criou o BR do Mar.

“Dentro das atividades da Frente, estaremos articulando o acompanhamento de projetos de lei que tramitam no Congresso e que sejam de interesse da pauta. Analisaremos a pertinência de proposição de outros PLs e a revisão de outras questões”, disse Lindenmeyer em entrevista à Portos e Navios. O deputado é a favor da participação ampla de embarcações e de tripulantes brasileiros na frota que trafega em águas jurisdicionais brasileiras (AJB), a exemplo da política do Jones Act (1920), nos Estados Unidos.

O parlamentar também defende que sejam adotados índices de conteúdo local gradativos para os futuros projetos de construção naval. Outra demanda, segundo Lindenmeyer, será retomar a qualificação da mão de obra após a última crise, que desmobilizou as atividades de construção naval há cerca de 10 anos. Ele acredita que estaleiros dos principais polos navais do país estão preparados para um reaquecimento das atividades. “A melhor opção é investir no Brasil. Todo dinheiro que se investe no Brasil, volta internamente, circula na economia, é imposto, renda, emprego. Ao passo que o que contrata lá fora, fica lá fora”, afirmou.

Confira abaixo a entrevista com o presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Indústria Naval.

Portos e Navios: Quais serão as primeiras atuações da frente este ano?
Alexandre Lindenmeyer:
 Faremos um ato de lançamento com a composição da coordenação da Frente Parlamentar em Defesa da Indústria Naval. No dia do evento, estarão segmentos de trabalhadores, empresas, Marinha do Brasil e dos ministérios com pauta afim a esse setor da indústria. A ideia é fazer um ato político de lançamento da Frente. Nesse dia, estaremos em votação do programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e, provavelmente, entrará na pauta da Reforma Tributária.

Na sequência, teremos a definição de data, onde vamos reunir deputados e senadores desta coordenação para apresentar um plano de trabalho já com coparticipação de outros atores. Pode ser FUP [petroleiros], Sinaval [estaleiros], Petrobras, Transpetro, Marinha e sindicato da indústria pesada (…). Vários segmentos com afinidade com esse tema poderão contribuir com essa frente. Definiremos na sequência quais pautas dentro do processo legislativo que são cruciais para a atividade do setor naval. Mais do que isso: de que maneira a indústria naval, além de política de governo, possa se transformar em uma política de Estado.

Dentro das atividades da Frente, estaremos articulando, a partir desse debate, o acompanhamento de projetos de lei que tramitam no Congresso e que sejam de interesse da pauta. Analisaremos a pertinência de proposição de outros PLs. A revisão de outras questões, como Repetro e a própria BR do Mar (Lei 14.301/2022) que, não é só do meu ponto de vista, é nefasta aos interesses nacionais. Ao mesmo tempo, temos um código marítimo do século XIX que precisa ser revisto e atualizado. Será um ambiente rico para acelerar as atividades. A potencialidade desse setor industrial agrega ao país massa salarial de boa monta, tecnologia e inovação nacional.

Há possibilidade de, dentro de uma tabela de metas, de forma gradativa, irmos aumentando o conteúdo local e gerando mais empregos, renda e riqueza. Trabalharemos na lógica de buscarmos a questão do pleno emprego, que é estratégico, dentro das demandas de curto, médio e longo prazo para construção de embarcações como empurradores, rebocadores, plataformas, petroleiros, gaseiros, chatas (…).

O Brasil tem uma costa continental de 8.000 quilômetros, 200 milhas náuticas de alcance para fora (Amazônia Azul) e as bacias hídricas. Para vermos o tamanho da importância: hoje, 30% dos grãos exportados transitam pelos rios. Podemos ter mais desenvolvimento e potencialidades nesse setor e, para isso, precisaremos de estaleiros e embarcações para renovar a frota.

A própria marinha mercante brasileira está esgualepada nos últimos anos, começaram a trabalhar na questão do afretamento de navios estrangeiros. Por que não desenvolver a construção naval no país como nos EUA, onde 100% da frota mercante americana é construída nos EUA (Jones Act)? Por que não defender que a tripulação seja 100% brasileira, buscando agregar tecnologias nacionais?

Vemos como oportunidades. Eu dialogo também com academia, institutos federais e universidades sobre a formação de recursos humanos. A Marinha do Brasil tem demanda de construção de embarcações militares de apoio e de patrulha na costa e nos rios para combate ao narcotráfico e tráfico de armas. Tem muita coisa que dá para fazer para esse setor e, ao mesmo tempo, contribuir para que a indústria brasileira consiga aos poucos retomar o tempo perdido. A participação da indústria brasileira no PIB brasileiro chegava a 22%. Hoje, está na casa de 10%, 11%

A proposta da Frente é no primeiro dia fazer o lançamento. Definiremos uma proposta de data para encontro de setores para mapear desafios legislativos — o que já está tramitando, o que podemos pensar em novas legislações e em atribuições de quem participará e de qual maneira. Tem que ter início, meio e sequência para, no final, olharmos para trás e falar que valeu.

PN: Quais os desafios para mobilizar novamente essa indústria no Brasil após quase 10 anos de baixa das atividades?
Lindenmeyer:
 Temos que identificar a cadeia de suprimentos existentes. Precisamos estabelecer metas gradativamente para poder aumentar a participação de conteúdo nacional e incentivar o fortalecimento dessa cadeia de suprimentos estratégica. Precisamos retomar a qualificação da mão de obra porque houve um apagão na qualificação. Chegamos a ter 81.000 postos de trabalho no setor, hoje devemos estar na casa 17.000, 19.000. Eles foram preparados pelo Pronatec, Prominp, pelas universidades (…). Tem que haver uma reciclagem para poder voltar à atividade (…). Não tenho dúvida de que, junto com essa reconstrução da política, virá a capacitação na sequência.

PN: O Brasil tem grandes polos navais que sofrem com a desmobilização desse período. Como gerar oportunidades para todas essas instalações
Lindenmeyer:
 Temos tanto a produção de estaleiros mais voltados para construção de módulos, quanto outros para construção de embarcações. Hoje, temos estaleiros em Manaus (AM), na região da bacia amazônica, que estão construindo embarcações, barcos de apoio, empurradores, chatas. Em Santa Catarina também tem, no Espírito Santo (…). Existe ainda uma cadeia de construção naval no país. Extremamente acanhada, comparada ao que se tinha no passado. Mas, os estaleiros estão prontos, existe uma estrutura física que, em alguns casos, precisa ser recuperada e aprimorada. Em outros, elas estão prontas.

O antigo estaleiro Oceana (SC), comprado pela Thyssenkrupp estava parado, hoje produz as fragatas. O Estaleiro Rio Grande (RS) está fazendo reparos de forma eventual, agora estão trabalhando em um navio-sonda com 700 trabalhadores. O EBR (RS) tem em torno de 4.000 trabalhadores construindo módulos para plataformas.

Mas, pelo volume de recursos que a Petrobras sinaliza e entrando a possibilidade de, no futuro, com algum ajuste na legislação, podermos fazer desmantelamento de equipamentos ociosos e que não operam mais, isso tudo tem uma carteira de negócios importante.

PN: Como vê as oportunidades para eólicas offshore, que têm potencial sendo estudado no Sul, Sudeste e Nordeste?
Lindemeyer:
 Os estaleiros são propícios também para construção de pás e torres, principalmente as pás. Visualizando os países nórdicos são pás (parques offshore) maiores do que as pás em terra. Haverá necessidade de construir na beira de cais, dentro de estaleiros, porque transportar pás eólicas em rodovias não é viável. Os estaleiros também estarão potencializados nesse setor. Quando se fala de parques eólicos no mar, diga-se barcos de apoio, logística, implementação (…). Tem toda uma estrutura de apoio e suporte que tem a ver com setor naval.

PN: Quando se fala da competitividade da construção naval brasileira, sempre cai na questão da competição dos concorrentes asiáticos x geração de empregos no Brasil. O quanto a Frente poderá contribuir com a discussão sobre a redução de custos da indústria naval brasileira?
Lindemeyer:
 Temos que trabalhar algumas coisas que escutamos e visualizamos em outros países. Olhando Canadá, EUA, Japão, Itália, Turquia, Coreia (…), vários países com setor naval forte dizem que se procurarmos pelo mais barato, talvez a indústria nacional não exista. Em algum lugar deve ter mais barato, mas tem que ver esse mais barato de outra maneira: a indústria naval sendo de Estado, uma política de país, defesa do emprego, da renda, do imposto, da tecnologia nacional e da soberania nacional.

Não adianta exportar emprego para outros países e aqui ter milhões de brasileiros dependendo do Bolsa Família. Hoje, inclusive, existem situações de pessoas com qualificação de ensino superior com Bolsa Família. Temos que reverter isso, voltar a ter pleno emprego, consequentemente diminuir investimento que se faz do Bolsa Família, que é estratégico dentro do momento que se tem. Acho uma política correta, mas quanto menos pessoas estiverem recebendo Bolsa Família, podemos ter na correlação mais pessoas empregadas.

Há 100 anos, o Japão tem uma indústria naval firme. Penso que o Brasil tem que ir no mesmo caminho. E ganha-se competitividade, custo e preço também com ajustes, não só na legislação, mas com eficiência a partir da qualificação dos recursos humanos, identificação de suprimentos, trabalhando na possibilidade quando dá em adensamento da cadeia de produção ao entorno dos estaleiros.

Existem várias medidas que, com o tempo, vão ganhando competitividade com menor custo, mais eficiência e mais qualidade. Aquilo que se produziu no Brasil foi muito bem-produzido. Vemos por vezes, equipamentos produzidos lá fora que passam por consertos no Brasil para depois poderem operar. A melhor opção é investir no Brasil. Todo dinheiro que se investe no Brasil, volta internamente, circula na economia, é imposto, renda, emprego. Ao passo que o que contrata lá fora, fica lá fora.

Quanto à Reforma Tributária, não teremos tempo dentro do que já está apresentado para fazer qualquer discussão mais efetiva. Mas, no transcorrer, o que precisarmos fazer como ajuste, construiremos junto com governo e os segmentos para ver se aprimoramos legislações.

PN: A lei do BR do Mar completou um ano, mas não foi regulamentada e ainda existe uma discussão se vai revisar a lei, se vai abrir ou fechar mais o mercado, com pressão dos dois lados. O quanto o Congresso entrará nessa discussão que já passou por Câmara e Senado?
Lindemeyer:
 Tenho uma leitura, ouvindo segmentos, de que há posição quase unânime contra a forma como foi aprovada a BR do Mar. Ela não tem regulamentação ainda. Essa frente é plural, tem todos os segmentos de dentro do Congresso representados — setores empresariais, trabalhadores, deputados da ‘esquerda’ à ‘direita’, do ‘centro.

A ideia é fazer aprofundamento nesse debate, superar qualquer tipo de diferenças que possamos ter, construindo pautas comuns. E que consigamos construir política de Estado. Acredito que vai depender do que conseguirmos desdobrar nesse processo da Frente com participação de todos os segmentos. Estou otimista. Em relação ao BR do Mar, na minha opinião, na pior das hipóteses: ou se trabalha em uma revogação, ou em questões pontuais/específicas para reverter. Por exemplo, na questão da tripulação, sou defensor da pauta dos EUA — 100% construção nacional na marinha mercante.

PN: O quanto esse diálogo já está chegando dentro do governo. A pauta econômica é bastante extensa, mas por outro lado o presidente Lula sempre foi favorável a essa pauta e destacou a geração de empregos dessa indústria. Como estão as articulações?
Lindenmeyer:
 Quem manifestou interesse e olhar atento em relação a esse tema foram Transpetro, Petrobras, MDIC (Desenvolvimento, Indústria e Comércio) e estamos fazendo algumas incursões na Ciência e tecnologia, Portos e Aeroportos (MPor) e no Ministério da Pesca porque vemos que pode haver uma política que fomente a construção de embarcações pesqueiras — hoje este segmento ainda depende de muita coisa de fora. É um processo virtuoso (…). Na Fazenda, a conversa ainda é incipiente, mas estamos otimistas que vamos conseguir fazer um trabalho importante.

Fonte: Portos e Navios – Danilo Oliveira