Apesar da demanda significativa para manutenção e docagem, Brasil tem carência de estaleiros de reparo – Dados do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) apontam que há atualmente 373 obras em andamento e que devem ser construídas até 2020 nos estaleiros brasileiros. Os navios em operação no país vêm aumentando cada vez mais. Ao longo dos anos, consequentemente, estas embarcações precisam de reparos. Apesar da demanda significativa para serviços de manutenção e docagem de embarcações, o Brasil tem carência de estaleiros desse tipo.
– O aumento da frota de petroleiros, com 44 navios em construção, de embarcações de apoio marítimo de bandeira brasileira que se aproxima dos 200 e a frota de bandeira internacional com praticamente a mesma quantidade mostram claramente que o mercado de reparos vai apresentar um aumento de demanda nos próximos anos – diz o presidente do sindicato, Ariovaldo Rocha. A Petrobras inclusive já manifestou preocupação com a escassez de estaleiros de reparo no país. Durante a Navalshore realizada no último mês de agosto, o gerente de engenharia de Exploração e Produção da Petrobras, Fernando Bortoli, e o gerente executivo do Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef), Elízio Neto, destacaram a escassez de unidades que possam reparar embarcações. “Antevemos que, se nada for feito, vamos ter problemas no horizonte de médio prazo, porque estaleiro de reparo é extremamente necessário para que a gente garanta que as operações continuarão. Não é razoável tirar barcos daqui, docar em outros países e ficar sem a unidade por vários dias”, disse Neto, na ocasião.
Para Bortoli, a atividade de reparo naval tem sido deixada de lado por não ser tão atrativa do ponto de vista econômico. “Essa atividade está normalmente na carteira dos estaleiros, mas os contratos e os projetos mais interessantes, com margens maiores de lucro, são os mais atrativos. No entanto, temos mais de 50 sondas operando no Brasil, vamos ter mais 28 daqui a alguns anos. Onde essas unidades vão ser docadas? Gostaríamos de ver esse assunto ser tratado de uma maneira mais abrangente”, afirmou o executivo. Segundo Bortoli, a Petrobras já iniciou conversas com entidades de classe visando quantificar essa demanda e buscar alternativas.
É verdade que a atividade de construção naval representa maior valor agregado para o estaleiro. Mas as unidades de reparo têm uma demanda relativamente mais estável no longo prazo. Então por que essa atividade não tem ganhado a devida importância? Para Rocha, do Sinaval, as novas encomendas têm direcionado o foco dos estaleiros. “Eles precisam ocupar suas instalações com o máximo de obras que forem capazes. Como o momento é forte de demanda por novas construções, é normal que os estaleiros mantenham seu foco neste segmento”, justifica o presidente do Sinaval.
Rocha destaca também que qualquer estaleiro tem condições de executar serviços de reparos em navios que é capaz de construir. A principal questão a ser resolvida diz respeito às docagens. “Muitos reparos podem ser realizados com o navio fundeado ou na beira do cais. Aqueles que exigem docagem é que representam maior desafio por ser necessário obter um espaço na programação do uso da carreira ou do dique seco”, lembra.
Além de eventuais reparos emergenciais, a docagem é realizada em razão das inspeções obrigatórias feitas pelas sociedades classificadoras nas embarcações. Mas sem diques suficientes para repará-las, uma das alternativas tem sido a realização do serviço no exterior. Apesar de preços mais competitivos e prazos menores em função da baixa demanda dos estaleiros estrangeiros, os custos embutidos nem sempre compensam. Para as empresas brasileiras de navegação é mais vantajoso realizar o reparo das embarcações no Brasil por causa do ressarcimento do Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM). Este dinheiro pode ser utilizado, entre outros, para construção, reparo e jumborização no Brasil. Entretanto, quando as docagens, por exemplo, precisam ser feitas no exterior, há impactos no caixa dessas empresas.
Da mesma forma que os estaleiros voltados para a construção estão repletos de encomendas, aqueles especializados em reparo, devido à pouca concorrência, também estão abarrotados de serviço. O principal exemplo de estaleiro especializado em reparo no Brasil é o Enavi. No ano passado foram docados 92 navios e outras 59 embarcações foram reparadas na condição de atracado, sem necessidade de docagem. De acordo com o consultor sênior da companhia, almirante Hernani Fortuna, o estaleiro só poderá receber novas encomendas para reparo naval a partir de março de 2014. “Temos hoje uma fila grande para atender aos pedidos de reparo tanto de bandeira brasileira, mas principalmente de navios estrangeiros”, diz Fortuna.
O consultor destaca também que o Enavi recebe embarcações que precisam resolver tanto problemas emergenciais como inspeções periódicas. “Temos feito reparo que se destinam a corrigir problemas no navio e também serviços de rotina, principalmente de embarcações que foram contratadas para prestação de serviços offshore, porque elas passam muito tempo fora da sua base nas áreas de prospecção e precisam ter um sistema de manutenção preventiva e algumas vezes também corretiva. Esta é uma demanda forte para a Enavi”, conta ele.
Nas mesmas áreas geográficas da Ilha do Viana, em Niterói, no estado do Rio de Janeiro, estão abrigados os estaleiros Enavi, responsável pelo reparo, e o Renave pela construção de embarcações. No total, são cinco diques, dos quais dois secos e três flutuantes. Dois dos diques flutuantes podem receber navios do porte de até um Panamax e o terceiro comporta embarcações de apoio offshore. Alguns serviços também podem ser realizados com os navios atracados na própria ilha ou a contrabordo dos diques.
Normalmente nos estaleiros trabalham cerca de mil empregados com carteira assinada, além de terceirizados, variando mensalmente entre 100 e 500 de acordo com a demanda. “Hoje são entre 1,3 mil e 1,4 mil trabalhando na ilha”, destaca o consultor, acrescentando que, devido à intensidade dos serviços, o estaleiro chega a perder serviços para o exterior. “O navio entra nessa fila de espera dentro de um cronograma, é um acordo entre a Enavi e o armador. Há concordância no tempo em que o armador deseja fazer o reparo para não prejudicar o trade dele e, ao mesmo tempo, ser coincidente com a nossa possibilidade de receber o navio. Mas de vez em quando acontece de perdermos o reparo para o exterior, principalmente em casos de emergência”, diz Fortuna.
De olho na oportunidade de mercado, algumas empresas já estão realizando investimentos na instalação de estaleiros dedicados ao reparo no país. É o caso da McQuilling International. Até outubro do ano passado, a empresa estudava a implantação de um estaleiro no estado do Paraná. Porém, à medida que se avançou no estudo das condições ambientais envolvidas, foi constatado que o prazo para viabilização da unidade nos moldes que vinha sendo tratado pelos empreendedores seria muito longo e, a partir daí, se retomou a busca por outras opções de localização.
Sem divulgar o novo estado de instalação do estaleiro, o country manager do projeto BBDC (Brasil Basin Drydock Company) da McQuilling International, Celso Luiz de Souza, indica o seu possível mercado alvo.“Será um estaleiro de grande porte, exclusivamente para atividade industrial de docagens e reparos, com capacidade de docar aproximadamente 120 navios por ano. Certamente será o maior estaleiro de reparo do hemisfério Sul voltado para o tráfego de navios que atuam na bacia do estaleiro Atlântico Sul”, revela Souza, envolvido no projeto desde outubro do ano passado.
Atualmente, destaca o executivo, a empresa está na fase de finalização do projeto conceitual, de estudos geológicos e topográficos da região e espera terminá-la ainda este mês de dezembro. Concluída essa etapa, os próximos passos serão o desenvolvimento do projeto básico e o licenciamento ambiental. “Isso deve ocorrer em 2014. A expectativa é de início de implantação [do estaleiro] em janeiro de 2015”, estima Souza, acrescentando que a operação se daria entre 18 e 24 meses após o começo das obras.
O estaleiro contará com cais de 2,3 mil metros, duas docas, um hidrolift para pequenas e médias embarcações de 10 mil toneladas, além de dois diques secos capazes de receber navios de grande porte como Valemax e VLCCs. Segundo Souza, as dimensões dos diques serão adequadas ao atendimento de unidades offshore, como plataformas semissubmersíveis. “Não há nada semelhante com o que encontramos hoje no Brasil e na América do Sul”, gaba-se o executivo.
A área total da instalação será da ordem de 800 mil metros quadrados, das quais 600 mil serão de área seca e os outros 200 mil metros quadrados de área projetada sobre a água. Devem ser gerados cerca de 1,5 mil empregos diretos e outros três mil indiretos. O investimento no estaleiro é de aproximadamente US$ 700 milhões.
Souza reconhece também que há uma carência de estaleiros de reparo no país e, por isso, os armadores recorrem a unidades do exterior. A McQuilling está focando em embarcações que demandam regularmente uma entrada no dique para realizar limpeza de casco, de válvulas, pintura, retornando rapidamente ao tráfego. Ele diz ainda que, de acordo com os estudos realizados, a empresa conseguirá manter a taxa de ocupação do estaleiro em 100%.
— Estamos pensando no tráfego intenso de importação e exportação que existe no eixo do Conesul e nos navios que trafegam na rota da África, que terão uma oportunidade de desvio muito menor do que se tivessem que ir até o Golfo Pérsico para docar. É um mercado muito interessante e, com esse estudo que fizemos sobre o mercado e a frota que atua na região, acreditamos no sucesso do empreendimento — conclui.
Outra unidade de reparo naval que deve ser implantada nos próximos anos integra o Petrocity, que será um terminal privativo focado em petróleo e gás e especializado no atendimento de toda cadeia produtiva. Com um conceito de “condomínio”, o Petrocity, que será instalado no Espírito Santo, contará com 75 tipos de atendimento em áreas de salvatagem, tubos, etc. A unidade de reparo naval está sendo desenhada junto a parceiros do Brasil e do exterior. De acordo com o diretor geral do Petrocity, José Marcus Barbosa, o contrato ainda não foi fechado. “Temos parceiros identificados, mas ainda não há nada definido porque os nossos profissionais nos entregarão no início de dezembro o modelo final dessa fase sequencial à implantação da área para o atendimento de reparo naval”, explica Barbosa, acrescentando que ao redor do estaleiro serão instaladas empresas de metalmecânica a fim de gerar a implantação de um polo metalmecânico na área do Petrocity.
As embarcações que poderão ser reparadas só serão definidas após a definição de quem arrendar a área.“Há parceiros que nos procuram para reparo de embarcações pequenas como rebocadores, bem como para reparo efetivamente de embarcações para atendimento a apoio offshore”, diz Barbosa. O empreendimento está na fase de licenciamento ambiental e a companhia espera ter a licença de instalação a partir de julho de 2014. Já o início de operação está programado para janeiro de 2016.
Com 1,5 milhão de metros quadrados de ocupação inicial, o Petrocity tem condições de ser ampliado em mais 1,5 milhão de metros quadrados. O terminal também prevê disponibilizar para o mercado a mão de obra necessária para as empresas que se instalarem no terminal. A Universidade de Vila Velha (UVV), que conta com cursos que atendem às necessidades do que será oferecido ao mercado nos segmentos de reparo naval, engenharia de petróleo e gás, logística portuária, entre outros, estará inserida dentro do Petrocity.
– A UVV vai estar inserida dentro do nosso negócio objetivando a formação da mão de obra e também, através dos seus profissionais, a avaliação dos processos de atendimento a todos aqueles que utilizarem o terminal Petrocity para atender às atividades de óleo e gás e metalmecânica. Queremos é garantir segurança, qualidade e resposta para os nossos potenciais parceiros – finaliza Barbosa.