A indústria naval brasileira conseguiu, nos últimos anos, sair da inércia, avalia o presidente da Transpetro, Sérgio Machado, em entrevista ao Brasil Econômico.
Ele ressalta, no entanto, que é cedo para comemorar: “Não estamos ainda no período da bonança”, afirma, lembrando que com uma carteira de projetos até 2018, os estaleiros brasileiros precisam repor suas encomendas em 2014. “Ninguém vai investir, seja no Brasil ou no Japão, se não tiver demanda garantida”, ressalta o presidente da subsidiária de logística da Petrobras.
Qual a avaliação que o senhor faz da indústria naval?
O Brasil tem hoje a quarta maior carteira de encomendas de petroleiros do mundo, atrás apenas da Noruega, Estados Unidos e Grécia. Ultrapassamos, em carteira, tanto a China quanto o Japão. A partir do Promef (Programa de Modernização e Expansão da Frota da Transpetro), três novos estaleiros foram estabelecidos: o Atlântico Sul e o Promar, em Pernambuco, e o Rio Tietê, em São Paulo. Temos hoje polos navais não só no Rio de Janeiro, mas em Pernambuco, Bahia, Espírito Santo e Rio Grande do Sul.
O setor emprega 70 mil pessoas e tem uma previsão de gerar 100 mil postos de trabalho até 2016. Antes do Promef, os estaleiros brasileiros passaram 14 anos sem entregar navios ao Sistema Petrobras. Em um período de 18 meses – entre novembro de 2011 e maio de 2013 -, foram sete navios lançados ao mar, dos quais cinco já estão em operação. Os índices de retrabalho estão caindo e indústrias navais tradicionais, como a do Japão, não estão mais vindo para o país como consultores, mas sim como investidores.
Nos últimos anos, ocorreu uma mudança de comportamento, da cultura da indústria naval?
Quando eu cheguei aqui, diziam que tudo se resolveria com a contratação de dois navios por estaleiro. Chegaram a me chamar de demagogo, quando eu falava de 49 navios, que era um factóide. Mas a experiência recente da indústria naval mostrou que a persistência e a teimosia dão resultados. Mesmo com as dificuldades, conseguimos sair da inércia. Tem uma frase do Mao Tsé-Tung que eu gosto muito: “Se você não tiver resistência, é sinal que não está mudando nada”.
O setor hoje é um modelo a ser seguido pela indústria?
Diria que a indústria naval brasileira é o exemplo de um cluster que começou do zero e uma experiência que caminha encontrando um rumo certo. Que começou desacreditada e que hoje é uma realidade. Mas temos que manter vigilância porque estamos ainda no momento da consolidação. Já conseguimos fabricar no Brasil, já alcançamos os índices de nacionalização e agora precisamos conquistar a competitividade mundial. Saímos da inércia. Estamos fazendo um progresso bastante grande, mas não estamos ainda em um período de bonança. Se você me perguntar se já chegamos à situação ideal, de consolidação plena, não. Mas estamos no caminho certo e caminhando em velocidade para chegar a isso.
Quais os desafios que o setor precisou superar? Que obstáculos persistem?
Foi preciso superar três gargalos: a mão de obra – não pela relação do salário e sim pela baixa produtividade -, o preço do aço – que representa de 20% a 30% do custo de um navio e que era vendido no Brasil com um preço 40% superior ao dos estaleiros asiáticos -, e a necessidade de modernizar os estaleiros. Na Transpetro, estabelecemos três premissas básicas: fabricar os navios no Brasil, atingir um índice de nacionalização superior a 65% e alcançar a competitividade internacional. As duas primeiras, já atingimos. A terceira – para nós a mais importante – é o que buscamos agora. Para isso, precisamos fazer o dever de casa. O mais fácil hoje é construir um estaleiro. É um projeto meramente de engenharia. Esse é o corpo. Agora, você precisa introduzir no estaleiro a alma, que é a gestão, que é o que vai gerar a competitividade. Estaleiro moderno não é condição suficiente. Para ter competitividade mundial é preciso gestão.
Se avançamos em termos de tecnologia, qual a importância hoje de parceiros estrangeiros?
Os parceiros estrangeiros são importantes, mas não apenas do ponto de vista tecnológico. Hoje não precisamos de consultores, e sim de investidores. Precisamos de parceiros que participem dos resultados, como o IHI (Ishikawajima-Harima Heavy Industries), que comprou uma participação de 25% no Estaleiro Atlântico Sul. Os estaleiros estão hoje atraindo parceiros estrangeiros como investidores com participação de um terço nos resultados, parceiro que entra para ganhar dinheiro, e também agregando conhecimento. Parceiro com o dinheiro ardendo, como investidor e trazendo tecnologia. Dessa forma, é algo altamente positivo.
O problema está na falta de mão de obra qualificada?
O problema não está no chão de fábrica. O gargalo da produtividade está na gestão. Qualquer maestro bom transforma um tocador em um músico. E qualquer maestro ruim torna um músico em um tocador. O que precisamos é ter gestão que nos leve ao sucesso.
Na sua opinião, qual é hoje o grande desafio do setor?
Indústria precisa de continuidade. Sem escala, nenhuma indústria vai para frente. É na visão de longo prazo onde temos que ancorar e posicionar o Brasil. De continuidade dos programas. Indústria precisa ter previsibilidade e programação de longo prazo. Ninguém vai investir, seja no Brasil ou no Japão, se não tiver demanda garantida. Não podemos deixar os estaleiros ficar acomodados. Temos que forçar a busca da produtividade. Para isso criamos o Sistema de Acompanhamento da Produção (SAP), para acompanhar de perto a produção, identificando problemas e verificando a produtividade dos estaleiros.
A desvalorização do real em relação ao dólar muda a estratégia de compra de aço?
Já estamos hoje comprando bastante aço no Brasil. Claro que continuo consultando os preços internacionais, mas a Usiminas tem hoje um preço competitivo e já representa mais de 43% da nossa compra de aço. A Usiminas está oferecendo cada vez mais competitividade. O câmbio subindo, o aço aqui fica mais barato. Então temos a tendência de comprar mais aqui. Mas isso aconteceu antes dessa mudança do câmbio.
A demanda de embarcações ainda é muito grande?
O Brasil não tem a opção de ter ou não ter navio. 95% do nosso comercio internacional é feito por navio. Com o pré-sal vamos precisar de mais petroleiros, mais sondas, mais plataformas e barcos de apoio. Ainda temos hoje uma grande dependência de navios estrangeiros. A Petrobras usa hoje 250 navios. Desses, apenas 62 são nossos. Por outro lado, os estaleiros precisam repor encomendas em 2014. Os estaleiros têm hoje carteira até 2018. Estaleiros têm sempre que trabalhar na visão de quatro anos para manter os investimentos em tecnologia e os empregos e atrair novos profissionais.
Qual o balanço que o senhor faz desses 15 anos da Transpetro?
Tivemos um crescimento bastante expressivo ao longo desses 15 anos. No primeiro ano foram investidos R$ 1 milhão. No último, investimos R$ 1,6 bilhão. Temos um grupo técnico qualificado. Esse crescimento é bem característico e demonstrado em nosso faturamento. Quando cheguei aqui o faturamento era de R$ 1,8 bilhão. Em 2012, foi de aproximadamente R$ 7 bilhões e neste ano vamos superar esse número. Temos uma estrutura preparada para atender ao pré-sal com uma logística segura, eficiente e competitiva. Quando cheguei aqui a discussão era se mudávamos ou não os elevadores, hoje estamos discutindo questões de logística nacional, as necessidades de navios do país. E esse é um ponto fundamental. Precisamos mudar a matriz de transporte do país.
Essa mudança da matriz está dentro do radar da Transpetro?
Está dentro do radar do governo, que está consciente dessa necessidade. A logística é um elemento fundamental para definir o poder de competição e o tamanho de mercado, sobretudo em um mundo globalizado. A matriz de transporte do Brasil está inadequada para um país das nossas dimensões. Ela é hoje baseada no caminhão, que é o meio de transporte mais caro que existe. Temos a terceira maior hidrovia do mundo, mas não usamos esse recurso. O Tietê corta o coração do estado mais rico e usamos menos de 20% do potencial dessa hidrovia. Com a hidrovia do Tietê poderíamos economizar 80 mil viagens de caminhão por ano, com um custo menor, com poluição quatro vezes menor e desobstruindo as estradas.
Como o senhor vê a entrada da Petrobras no Conselho do Fundo da Marinha Mercante (FMM)?
É algo absolutamente natural. O Conselho do FMM é um órgão formulador de política. A Petrobras é uma empresa governamental e um ator importantíssimo nesse processo de recuperação e renascimento da indústria naval. Nada mais natural do que quem tem maior experiência, conhecimento e vivência ajudar na formulação de políticas para o setor.
Mas há uma preocupação com o esgotamento dos recursos do FMM apenas com o petróleo…
Poderíamos ter essa discussão se houvesse escassez de recursos. O que não é o caso. O Fundo tem recurso suficiente para poder bancar esse programa. Obviamente, temos que pensar na marinha mercante como um todo. Temos grandes oportunidades também no transporte de minério de ferro, na Amazônia Azul e na Marinha de Guerra. São oportunidades que podem dar substância para manter a indústria naval competitiva.
Qual a sua maior preocupação hoje com o setor?
O Brasil tem hoje estaleiros modernos, desafio agora é a busca da produtividade, da melhoria da gestão. Não podemos deixar que os estaleiros se acomodem, fiquem em uma zona de conforto. Os estaleiros precisam avançar na direção da gestão. Precisamos ter uma gestão em nível mundial com plena eficiência dos equipamentos. Ter um estaleiro moderno e de última geração não é garantia de competitividade. Se dentro daquele corpo não houver uma alma pujante e vibrante, não vou chegar aos resultados. Os estaleiros agora estão no rumo correto. Agora pensamos nos projetos para frente. Estaleiros precisam ter continuidade e previsibilidade. Ou ninguém vai botar dinheiro.