A presidente da Petrobras, Graça Foster, defendeu a aquisição de barris excedentes no pré-sal, dizendo que eles são fundamentais para a companhia manter estável até 2030 uma produção de 4,2 milhões de barris de petróleo por dia. Graça explicou como será calculado o pagamento antecipado da produção do excedente da cessão onerosa e afirmou que os 10 bilhões a 15 bilhões de barris adicionais vão ajudar a compensar a queda natural da produção no pré-sal. A estimadas da estatal é de um declínio natural em torno de 400 mil a 500 mil barris diários a cada ano no pré-sal.
Em entrevista ao Valor, a presidente da estatal evitou usar a palavra prioridade, mas disse que um aumento de combustíveis pode ser feito rapidamente, enquanto a aquisição de reservas é muito mais difícil. “Aqui, duas ligações e 100% do preço do combustível sobe no Brasil. Agora, eu não tenho ligação a fazer para aumentar as reservas. Vou ligar para quem? Ligar para a presidente da República? Para papai do céu? Para quem? Não aumenta. Vou ligar pra quem para aumentar a produção?”, disse.
Sobre a preocupação do mercado quanto a outra despesa potencial da companhia, que no momento renegocia com o governo a revisão do preço dos barris da cessão onerosa original, Graça disse que se depender da Petrobras, não haverá custo adicional pelos 5 bilhões de barris. “O nosso plano é pagar zero”, disse. Veja abaixo os principais trechos da entrevista sobre os desafios da empresa.
Valor: Sobre a cessão onerosa, até que ponto a antecipação dos pagamentos é opcional? Se as reservas foram uma espécie de “presente”, já que não houve licitação, por outro lado a obrigação de produzir antes não cria uma pressão adicional?
Graça Foster: Quem vai decidir se vai ser antecipação do excedente ou se vai ser um pagamento de uma participação de óleo maior para o governo, como está na própria resolução, é o governo. Ele é quem vai tomar a decisão. Eu acredito que eles vão buscar a antecipação do seu óleo em 2015, 2016, 2017 e 2018. Fechando o contrato neste ano, e a gente torce para que aconteça, vamos pagar os R$ 2 bilhões em 2014 ano e depois os demais pagamentos entendo que é a título de antecipação do pagamento do óleo deles. Tanto em um caso como no outro, o que interessa para nós é valor presente líquido (VPL) e a taxa interna de retorno (TIR) do projeto, que são duas combinações importantíssimas. É isso. Eu não entendo que seja presente do governo, porque interessa para ambos os lados. É um ganha-ganha.
Valor: O que a Petrobras ganha?
Graça: Temos na cessão onerosa 5 bilhões de barris de óleo equivalente, com prazo até 2050 para produzir e podemos fazer até 2040. Mas o fato é que não está escrito [no contrato da cessão onerosa] que temos exclusividade. Mas estamos lá com todas as obrigações. Todas as responsabilidades da área são da Petrobras. Então, olhando de uma forma sistêmica, entendemos que temos uma exclusividade de fato, que é intrínseca ao tamanho da responsabilidade que se tem. Então, por que esperar que a gente produza 5 bilhões de barris equivalentes para depois produzir mais 10 bilhões de barris ou 15 bilhões? Seja o que for, eu acho que é um ganha-ganha. Além do mais a Petrobras provou que sabe fazer e interessa a ambos os lados.
Valor: Como se chegou a valor de R$ 15 bilhões?
Graça: Eu tenho certeza que para nós o excedente da cessão onerosa se assemelha ao projeto de Libra. Os dois têm escalas semelhantes. Então se tivemos Libra por R$ 15 bilhões, no mínimo R$ 15 bilhões de bônus dessa vez para o excedente. E a Petrobras pode pagar R$ 15 bilhões de bônus dessa vez? Não. Então tem que escalonar, de alguma forma.
Valor: Como diferenciar a produção de um ou outro regime?
Graça: Vai ser com base na produção de óleo. Se eles [o governo] optarem pelo óleo, vai equivaler a uma produção de 26 mil barris por dia em 2015. Em 2016 serão 39 mil barris por dia, em 2017 serão 50 mil e em 2018 serão 51 mil. E no dia do pagamento é só calcular esse volume pelo valor do Brent [preço do petróleo na Bolsa de Londres], câmbio e pagar esses valores. Isso aqui é a antecipação dos volumes de qualquer produção que eu tiver. E vai ser descontado lá na frente, quando eu estiver de fato fazendo a produção do excedente da cessão onerosa. Então é isso que o governo vai ter que detalhar quando a gente estiver assinando os contratos. Não vamos falar sobre o econômico da Petrobras. O governo estará recebendo valor relativo a uma produção de petróleo de 26 mil barris por dia, seja lá de onde eu estiver retirando essa produção. E quando eu tiver produzindo o excedente da cessão onerosa esses valores serão deduzidos.
Valor: Portanto, a produção que será antecipada não será vinculada a um contrato com a ANP que estabeleça, por exemplo, volumes contabilizados em um ou outro regime.
Graça: Quando os barris da cessão onerosa e do excedente da cessão onerosa estiverem compartilhando uma mesma estrutura de produção, teremos regras específicas dessa convivência. Tanto do ponto de vista físico, do volume produzido, quanto do ponto de vista fiscal, tributário. Esses serão capítulos desses contratos que serão assinados. Essa convivência tanto do ponto de vista regulatório quanto tributário, do ponto de vista físico, certamente que a Agência Nacional do Petróleo, Ministério de Minas e Energia e a Petrobras já estão elaborando nossas ideias e nossos textos. Essa vai ser uma discussão bastante intensa dos técnicos dessas três áreas.
Valor: A cessão onerosa original tem revisão prevista para este ano e a Petrobras já tinha sinalizado que poderia produzir menos caso tivesse que pagar mais do que os US$ 42,5 bilhões. Agora isso não é mais possível. A Petrobras pagará mais?
Graça: A discussão da cessão onerosa está acontecendo e vai até o último dia previsto. O nosso plano é pagar zero. Essa é a questão. A gente quer o máximo, o melhor resultado, produzir ao menos custo para ter o melhor resultado. Esse é o ponto. E o governo tem lá suas premissas, suas variáveis, das quais ele não vai abrir mão e nem nós. Essa vai ser uma discussão. Estamos trabalhando para levar tudo isso para zero, a favor da Petrobras. Essa é a discussão, e há elementos dos dois lados.
Valor: Um dos elementos que pode levar a Petrobras a não precisar pagar mais é o aumento de custos da indústria, correto?
Graça: Os custos têm caminhado em uma escala absurda, diferente da escala da remuneração que se obtém do capital empregado. Hoje, as empresas verticalizadas conseguem, nos diversos segmentos que constituem a indústria de petróleo e gás, recompor esse retorno, mas os custos são enormes. Ainda mais das empresas operadoras que trabalham com os megaprojetos. Esse é um desafio para todos nós. Então temos crescimento de custos. O capex [investimento em imobilizado] cresce. Nessa fase em que estamos discutindo custos com a ANP, com o governo, eu não devo antecipar números. Vai ser sempre muito isso, na concessão você tem um modelo mental, na cessão onerosa você tem um outro modelo mental e na partilha outro. Mas temos a nosso favor várias vantagens. Sem dúvida nenhuma que o fato de a partilha com Shell, com Total, e as chinesas CNPC e CNOOC, em especial as duas primeiras que têm grande experiência em projetos sob o regime de partilha, nos favorece sobremaneira. Há a própria PPSA, que é constituída para fazer a gestão do contrato de partilha. E isso vai favorecer muito a Petrobras. Vamos poder aplicar esse aprendizado, esse conhecimento, no contrato da cessão onerosa. Administrar custos tem o mesmo nível de importância de se fazer a modelagem do reservatório. A engenharia dos custos passa a ser uma disciplina fundamental e essencial para a Petrobras. A documentação de tudo isso, você passa a ter que demonstrar para aumentar essa rentabilidade que, por si só, já é dificultada por essa escalada de preços. Por que criamos uma gerência para Libra? Por que essa disciplina gestão de custos, documentação e demonstração é tão importante quanto a engenharia de poços.
Valor: Mas antecipar custos pode ser até um fator de adivinhação considerando o custo Brasil, com conteúdo local obrigatório.
Graça: Existe custo Brasil, custo África, custo Estados Unidos. Existem custos que são bem regionais e é importante que a gente desenvolva essa expertise para poder absorver a favor da Petrobras e do consórcio de Libra, o máximo dessa demonstração de custos. E essa habilidade vai ser catalisada inclusive pelo próprio trabalho específico da PPSA. Isso é algo que nos favorece porque é outra fiscalização, mas a favor da empresa.
Valor: A relação da Petrobras com os estaleiros melhorou? Será possível fazer mais nove FPSOs?
Graça: Serão nove [plataformas] para a cessão onerosa e, a princípio, até dez para o excedente da cessão onerosa. Por que até dez? Porque estamos definindo os módulos, estamos confirmando e vamos estar confirmando ao longo do tempo as respostas dos reservatórios para confirmar esses volumes de produção [para decidir sobre o tamanho das plataformas] de 150 mil, 180 mil barris por dia. E aí vamos confirmar se serão nove ou dez.
Valor: Qual a vantagem dos barris adicionais? Até 2026, a produção desse petróleo chegaria a um pico de 1 milhão de barris ao dia, mas ele não se soma aos 4,2 milhões de barris que a Petrobras pretende produzir entre 2020 e 2030, certo?
Graça: Vamos começar [a década] com 4,2 milhões ao dia. Se batermos nisso em 2020, e a gente está trabalhando forte para isso, quando se antecipa essa produção, que seria em 2026, teremos algo próximo de 1 milhão de barris ao dia [que compensará o declínio]. Essa é a parte da Petrobras, que se dilui nos dez anos, de 2020 a 2030. Tem o declínio natural, porque a gente convive com. Vemos uma média entre 400 mil e 500 mil barris por dia [de declínio anual] sobre aquela curva de produção de 4,2 milhões de barris. E passamos a ser uma empresa com esse volume de produção e tudo indica que vamos ficar por aí, maximizando a rentabilidade da companhia.
Valor: Esses barris vão reduzir o apetite por novas áreas?
Graça: Seremos seletivos nos leilões. Na 11ª Rodada e 12ª Rodada [da ANP], fomos muito seletivos. Especialmente na 11ª Rodada, que foi muito interessante, atrativa. E buscamos parceiros para operar. Nós queremos esses parceiros. Temos a obrigação da operação na partilha e em outra áreas, onde não somos obrigados [a operar], a gente compartilha.
Valor: E quanto ao aumento dos combustíveis, quando vem?
Graça: Sobre o preço dos combustíveis, tudo o que mostramos aqui está fundamentado nas premissas do plano de negócios e gestão. Existem desinvestimentos e reestruturação financeira de alguns projetos. A nossa política de preços imposta pelo conselho de administração da Petrobras nos deu em novembro 24 meses. Já se passaram cinco meses e temos que trazer os indicadores de endividamento líquido pelo Ebitda (lucro antes de juros, imposto, depreciação e amortização) e a alavancagem aos valores recomendados. Então a política de preços deve atender aos indicadores econômico-financeiros, de desinvestimentos, reestruturação financeira. No médio prazo esses são os trabalhos principais que estamos fazendo. Uma coisa que é muito clara: você pega o telefone e em 12 horas aumentou o preço do combustível no Brasil inteiro. Por que, se eu tenho 100% do mercado, praticamente? Todo mundo pode importar, é livre. Mas objetivamente tenho 100% do mercado. Por isso tenho que cuidar tão bem desse mercado.
Valor: Mas não é importante aumentar preços agora?
Graça: Em 12 horas, tomada a decisão, eu faço duas ligações e aumento o preço. Uma [ligação] para o [José Carlos] Cosenza [diretor de abastecimento e refino] e outra para a área financeira. Em 12 horas o preço aumenta no país inteiro. Não há uma disputa de algumas empresas, uma aumenta e outra não aumenta. Aqui, duas ligações e 100% do preço do combustível sobe no Brasil. Mas não tenho ligação a fazer para aumentar as reservas. Vou ligar para quem? Ligar para a presidente da República? Para papai do céu? Para quem? Não aumenta. Vou ligar pra quem para aumentar a produção? Em 12 horas o curto prazo se resolve. Existe uma política e esse é o zelo que se tem que ter com o mercado. O curto prazo se resolve em 12 horas.
Valor: Ou seja, aumentar preços é fácil, entre aspas, ao contrário de obter reservas e produzir 4 milhões de barris por dia. É isso?
Graça: O dito problema de curto prazo da Petrobras é de solução trivial se a Petrobras não fosse uma empresa que tem 100% do mercado. É uma vantagem, porque você aumenta assim [estala os dedos], mas há que se cuidar desse mercado. Se a Petrobras estivesse aumentando preços direto, a pressão, a crítica sobre a Petrobras aconteceria de uma forma avassaladora: “Ah, para garantir esse investimento todo estão estrangulando o crescimento do mercado!”. Ou seja, é uma balança que você tem que ir administrando muito bem. A Petrobras tem absoluta consciência do seu dever de curto prazo, mas desse dever da Petrobras faz parte tratar esse mercado de forma específica.
Valor: E como fazer?
Graça: A questão da gestão dessa companhia, com dimensão, com esse potencial enorme de produção, com 100% do mercado, é que eu preciso ajustar. Ajustar o preço dentro da política e das condições impostas pelo conselho de administração. E é de solução quase que instantânea. A dificuldade é o médio prazo. É elevar essa produção, manter essa produção – e nós estamos fazendo isso – e termos essas reservas. É excepcional essa questão do excedente da cessão onerosa. É um projeto que fica em pé do ponto de vista econômico e transcende quaisquer questões políticas porque ele é robusto do ponto de vista financeiro. Esse é um ponto de excelência desse projeto. O problema da Petrobras é de solução conhecida, porque eu tenho a produção, tenho as reservas e sigo a política do conselho de administração. Está tudo aqui. A proposição está aqui, os volumes lá estão, as reservas são excepcionais e o curto prazo é facilmente resolvível.
Valor: Na última entrevista da senhora pareceu que o aumento de preço estava próximo.
Graça: Estou dizendo que tenho metodologia de preços, conhecida pelo conselho. As bases dessa metodologia estão claramente definidas, os indicadores são uma imposição deles para recuperar em um determinado período. E tudo o que a gente apresenta tem esse fundamento, de retornar os indicadores de endividamento líquido pelo Ebitda, de retornar a alavancagem, de começar com aumento da produção, trabalhar a inversão dessa tendência e alcançar os limites que são estabelecidos para nós. Esse é o ponto.
Valor: Duas agências de classificação de risco colocaram a nota da Petrobras em observação na sexta-feira. Como a Petrobras recebe isso?
Graça: Hoje [terça-feira] – não vou dizer quais – tivemos reuniões com as agências de risco e temos mais uma programada. Da mesma forma que tivemos reuniões com analistas de mercado, nós esclarecemos, explicamos. A agência de risco olha para o futuro da Petrobras. A presidente da Petrobras olha para o presente e para o futuro da empresa. Eu tenho essa obrigação. Ainda mais que o futuro é logo ali, porque 2030 é logo depois. São dois ciclos de oito anos. Trabalhamos com megaprojetos. Então é logo depois. Cuide bem da Petrobras até 2030.
Valor: A dívida líquida da Petrobras estava em R$ 230 bilhões no primeiro trimestre. Até quando a empresa suporta esse endividamento crescente?
Graça: Temos uma dívida para crescimento, mostramos no plano de negócios e gestão e agora mostramos no livrinho [detalhando a aquisição de mais barris] até 2030 que a alavancagem da companhia cai. Temos no plano de negócios e gestão o endividamento líquido medido pelo Ebitda considerando o excedente da cessão onerosa, as diferenças são muito pequenas. Isso aqui vai para valores muito interessantes, a alavancagem, a captação líquida média anual negativa. Tudo isso é mostrado para as agências de risco. E foi discutido isso, também hoje [quarta]. A agência de risco olha esse futuro próximo também.
Fonte: Valor Econômico – Cláudia Schüffner | Do Rio