A indústria de petróleo e gás e o governo federal trabalham em medidas para dar impulso ao desenvolvimento da cadeia de fornecedores. O foco é o financiamento à pesquisa e inovação para substituir importações ou produzir em escala bens de maior complexidade tecnológica. As novas iniciativas ganham força no momento em que a Petrobras cobra mais agilidade da indústria na entrega de projetos, discussão que se relaciona com as regras de conteúdo local na exploração e produção de petróleo.
As novas ações e outras iniciativas existentes, como os programas de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) para o setor, tentam acelerar a nacionalização de equipamentos da indústria de petróleo. O objetivo é atender às regras de conteúdo local dos leilões de áreas da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Essas ações vêm ganhando força, embora não haja consenso entre agentes do setor sobre os resultados alcançados até o momento.
O BNDES, por exemplo, tem uma visão positiva sobre os efeitos da política de conteúdo local para a indústria de petróleo. Segundo o banco, essa política teria levado diversas multinacionais a se instalarem no país para produzir e fazer pesquisa e desenvolvimento aplicados ao óleo e gás.
Algumas entidades, no entanto, discordam. A Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) considera que a participação do óleo e gás no faturamento da indústria eletroeletrônica brasileira continua muito pequena. “O setor eletroeletrônico está na ponta da cadeia”, disse Paulo Sério Galvão, gerente regional da Abinee para Rio e Espírito Santo.
Alberto Machado, diretor-executivo da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), afirmou que o crescimento da indústria de bens de capital para o setor de óleo e gás ficou muito aquém da expansão dos investimentos da Petrobras nos últimos dez anos.
A presidente da Petrobras, Graça Foster, cobrou, na semana passada, resultados da indústria nacional.“Não é prioridade para nós nenhuma contratação que coloque em risco a nossa curva de produção”, afirmou. Segundo ela, “não há absolutamente nada hoje sobre a mesa que justifique atrasarmos a nossa curva de óleo”. Graça disse que a orientação do governo é que seja contratado no país apenas o que é possível e pediu empenho na entrega de projetos.
Nesse contexto, o BNDES, a Finep e a ANP preparam o lançamento do Inova Fornecedores, programa que deverá contar com orçamento de R$ 2,5 bilhões. Caso esses recursos se confirmem, o apoio financeiro às empresas do setor poderá chegar a R$ 5,5 bilhões, considerando ainda outro programa, o Inova Petro, que já colocou R$ 3 bilhões à disposição do mercado.
O Inova Fornecedores vai complementar o Inova Petro, também uma ação conjunta do BNDES e da Finep, com apoio técnico da Petrobras. O Inova Fornecedores financiará linhas diferentes de pesquisa e inovação em relação ao Inova Petro e deverá apoiar empresas de menor porte. BNDES, Finep e ANP estão em tratativas finais para minuta de um acordo de cooperação técnica em relação ao novo programa, que poderá ser lançado no segundo semestre do ano.
Antes desse acordo, a ANP deverá fazer uma consulta pública para reformular a cláusula de pesquisa e desenvolvimento (P&D) dos contratos de concessão de blocos exploratórios. A cláusula está presente nos contratos de concessão a partir de 1998. Ela determina o aporte em P&D de 1% da receita bruta gerada por campos de grande rentabilidade, ou com grande volume de produção, nos quais a participação especial (PE) seja devida.
A ANP é responsável por credenciar instituições para o recebimento desses recursos e gerenciar essas atividades. Os cálculos da agência indicam que a cláusula de P&D deve gerar R$ 8,7 bilhões em investimentos obrigatórios nos próximos quatro anos. Em 2013, apesar da baixa produção de petróleo, foram investidos R$ 1,26 bilhão via cláusula de P&D, 2,7% mais do que em 2012.
Atualmente, 17 concessionários são responsáveis por esses aportes, sendo que a Petrobras tem 96,98% das obrigações totais. A perspectiva, no entanto, é que com o crescimento das atividades de outras empresas no país a participação da Petrobras se reduza de forma gradativa.
As alterações propostas pela ANP no regulamento da cláusula de P&D poderão permitir, por exemplo, que operadores de petróleo possam aportar recursos diretamente em empresas que desenvolvem projetos de pesquisa e inovação. O aporte poderia se dar por meio de um fundo de investimento em participações (FIP), que também teria participação de BNDES e Finep. O Valor apurou, que o fundo está em discussão preliminar e pode ter orçamento de até R$ 200 milhões.
A ANP confirmou, em nota, discussões para o lançamento de um programa de apoio à inovação em empresas dos setores de petróleo e gás e naval. “No âmbito desse programa, a ANP apoiará projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e de engenharia básica não rotineira, desenvolvidos por empresas nacionais através da autorização da aplicação de recursos da cláusula de P&D”, afirmou a agência.
Sobre a criação do FIP para desenvolver e acelerar empresas inovadoras, a nota afirma que caberá à ANP“apoiar os projetos de P&D, o desenvolvimento de protótipos inovadores e até mesmo o apoio à produção de lotes pioneiros. O ciclo da inovação será fechado com o aporte de capital empreendedor em empresas inovadoras pelo fundo de participações criado pela Finep e BNDES”.
Uma fonte afirmou que a ANP poderia direcionar para certas tecnologias dinheiro da cláusula de P&D e inovação em temas diferentes do Inova Petro. Essa mesma fonte explicou que o Inova Fornecedores pretende atrair outras operadoras além da estatal.
A ideia de desenvolver no país bens que são importados ou que contam com poucos fornecedores locais está no cerne do Inova Petro. O primeiro edital do programa teve demanda de R$ 2,8 bilhões por meio de 38 cartas de manifestação de interesse, primeira etapa do processo de seleção. Ao final, foram aprovados 11 planos de negócios totalizando R$ 380 milhões. Seis deles, somando R$ 252 milhões, estão em contratação.
Dos R$ 3 bilhões colocados à disposição para fomentar projetos na área de inovação no Inova Petro, R$ 2,7 bilhões ainda estão disponíveis. O programa foi lançado em 2012 e vai até 2017. As empresas interessadas têm prazo até 24 de abril para entregar as cartas de manifestação de interesse relativas ao segundo edital do Inova Petro. O prazo inicial para entrega das propostas era 20 de março.
Parte dos financiamentos do programa pode ser contratada na modalidade não reembolsável, algo que não deve ocorrer no Inova Fornecedores. O BNDES e a Finep também têm condições de tornar sócios das empresas que realizam projetos de P&D.
Para Maurício Syrio, chefe do departamento de petróleo, gás e indústria naval da Finep, os resultados dos investimentos em inovação no setor tendem a demorar um pouco para aparecer. “Quando se investe em um plano de inovação, pode demorar dois ou três anos para se concluir um projeto.”
O objetivo final é fortalecer a cadeia de fornecedores de óleo e gás, sobrecarregada com as enormes demandas da Petrobras. Um levantamento sobre perspectivas de investimento para o setor de petróleo e gás nos próximos quatro anos, feito pelo departamento de pesquisa econômica do BNDES, sinaliza que R$ 458 bilhões serão investidos de 2014 a 2017, dos quais cerca de 60% (R$ 271 bilhões) devem ter como fonte recursos nacionais.
O efeito indireto desses investimentos também é alto, de R$ 277 bilhões. Esse efeito pode ser ainda maior, já que os estudos não incluíram os investimentos para exploração do campo de Libra, no pré-sal da Bacia de Santos, leiloado em outubro do ano passado. Se os resultados se concretizarem, a participação dos investimentos em óleo e gás na Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), em 2017, será a maior deste século, dos atuais 10% para 14,1%.
Rodrigo Bacellar, superintendente da área de petróleo e gás do BNDES, disse que o programa BNDES Petróleo e Gás, que começou em 2011, já aprovou R$ 2,3 bilhões para fornecedores da cadeia produtiva do setor. “Hoje, temos 35 empresas mapeadas, das quais 13 já são clientes do banco e achamos que podemos aumentar esse número.”
Fonte: Valor Econômico – Elisa Soares, Francisco Góes e Marta Nogueira | Do Rio