RIO – Símbolo da política de conteúdo local do Brasil — de estímulo ao desenvolvimento da indústria nacional —, a primeira sonda de exploração do pré-sal, prevista para ser entregue à Petrobras em meados de 2015, corre o risco de ser construída no exterior. O motivo são as obras em ritmo lento do estaleiro Jurong, no Espírito Santo. Como até o mês passado só 15% do empreendimento haviam sido concluídos, a plataforma poderá ter todo o seu casco feito em Cingapura, sede da SembCorp e dona do Jurong. E mais: o casco da segunda unidade, para julho de 2016, também está sendo fabricado em Cingapura. Isso significa, de acordo com fontes, a geração de 800 empregos na Ásia, considerando que cerca de 26% das obras da estrutura naval já foram realizadas.
Apesar de o conteúdo local desses equipamentos variar de 55% a 65%, a primeira sonda, batizada de Arpoador, teve seu projeto alterado, pois inicialmente só se previa o corte de chapas em Cingapura. O projeto da Petrobras envolve o afretamento de 28 sondas encomendadas à Sete Brasil que, por sua vez, contratou cinco estaleiros nacionais — sendo dois virtuais, ou seja, ainda não têm instalações físicas (como Jurong e Paraguaçu, na Bahia). A Sete Brasil, formada por Petrobras, bancos privados e fundos de pensão das estatais, foi criada para viabilizar a entrega das sondas até 2020 por cerca de US$ 25 bilhões.
A entrega das sondas nos prazos é vital para a Petrobras atingir a produção de 4,2 milhões de barris diários em 2020, quando a estatal espera atingir a autossuficiência na produção de petróleo e derivados.
Um documento da Sete Brasil, ao qual O GLOBO teve acesso, revela que, no caso do Jurong, a estrutura naval da primeira sonda está prevista para chegar ao Brasil em dezembro deste ano. Mas para isso, diz o relatório do fim de fevereiro, “será necessária a construção do cais do acabamento no Brasil”. A Sete Brasil, porém, disse na sexta-feira que essas obras já foram iniciadas. Já o Jurong não se pronunciou.
— Há o risco de se fazer a primeira sonda toda no exterior. Esse risco é tão concreto que pode se tornar realidade. Por isso, os diferentes órgãos do governo vêm monitorando o andamento do cronograma. E as empresas serão chamadas para conversar — disse uma fonte do governo que não quis se identificar.
A Petrobras disse, em nota, que as sondas que venham a ser construídas integralmente no exterior não atendem ao requisito contratual de conteúdo local. “A Petrobras não cogita alterar esta exigência”, disse. Já a Agência Nacional do Petróleo (ANP) informou que vai fiscalizar o cumprimento do conteúdo local assumido pelas empresas. “Em caso de descumprimento, aplicará as penalidades cabíveis”. A política de conteúdo local foi criada no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva a partir de 2003, quando a Petrobras passou a encomendar no país plataformas e navios.
Sem obras, setor demite 2 mil no Brasil
Enquanto as obras avançam no exterior, estaleiros brasileiros já demitiram cerca de dois mil trabalhadores nos últimos três meses, em um movimento considerado como “de acomodação do setor”, pelo presidente do Sindicato Nacional da Indústria Naval (Sinaval), Ariovaldo Rocha. Contudo, ele disse não estar preocupado com a construção das sondas no exterior.
— Ele (Jurong) vai cumprir o conteúdo local brasileiro — afirmou Rocha.
Uma outra fonte envolvida no projeto confirmou que a primeira sonda teve mais partes de sua construção incluídas no exterior, como o seu casco.
— Nas reuniões, já se fala da logística de se transportar toda a sonda para cá. E o que será feito no Brasil? A integração dos equipamentos e a pintura dos cascos? Isso em termos de emprego não é muita coisa — disse essa fonte.
A Sete Brasil afirmou que “o conteúdo local será cumprido e não há a menor chance de essa primeira sonda ser totalmente construída no exterior”. A empresa disse que alguns processos foram feitos no exterior para acelerar a construção da sonda, enquanto as obras do Jurong não são concluídas. Afirmou que o estaleiro não está atrasado e que sua implantação será em fases.
Além do Jurong, o Estaleiro Enseada de Paraguaçu, na Bahia, terá a sua terraplanagem finalizada no fim deste mês e ficará em condições de construir as sondas só no fim de 2014, sendo a primeira para julho de 2016. Os equipamentos atualmente estão em projeto de engenharia no Brasil, além de Japão, Romênia e Estados Unidos. Mas dentro dos prazos, informa a empresa.
Julio Bueno critica estaleiros virtuais
O secretário de Desenvolvimento do Estado do Rio, Julio Bueno, é um dos críticos das encomendas dadas aos estaleiros virtuais em detrimento dos estaleiros existentes.
— Temos estaleiros vazios no Rio. O estaleiro real deveria ser prioridade e não o virtual. Por que não fazer aqui esses cascos e levar para esses estaleiros virtuais? — pergunta Julio Bueno.
O presidente do Consórcio Rio de Janeiro (associação dos estaleiros MacLaren e Rio Nave), Mauro Orofino, afirma que o mercado sabe sobre os riscos de a primeira sonda ser totalmente construída lá fora. Segundo Orofino, o próprio consórcio poderia ser subcontratado para construir a sonda. O casco poderia ser feito no estaleiro da Rio Nave, no Caju, e a sua integração e montagem no MacLaren, em Niterói.
— Podemos ser um agente nesse processo, que permita minimizar os atrasos, usando mão de obra local — destacou Orofino.
Para evitar atrasos, a Sete já havia feito um rearranjo no portfólio. Transferiu a entrega da primeira sonda, que era do Estaleiro Atlântico Sul, em Pernambuco, justamente para o Jurong.
— Como o EAS vai construir as sondas se está com seu espaço ocupado com petroleiros? Jurong e
Paraguaçu vão atrasar, segundo o nosso monitoramento — disse a fonte do governo.
Para o EAS, a informação não procede. Em relação ao Brasfels — da Keppel FELS, de Cingapura — a Sete, segundo esse relatório, diz que “a fim de reduzir os riscos de atraso”, a estrutura das primeiras sondas podem ser feitas no exterior. Já o estaleiro Rio Grande criou um programa de aceleração de obras da construção de oficinas (espaços de montagem das sondas), gerando mais empregos e reprogramando a montagem das sondas. Procurada, a empresa disse que a mudança de cronograma é comum.