O governo trabalha com um cenário de disputa acirrada no 1º leilão de partilha do petróleo com a possibilidade de participação de até oito consórcios. Pela conta da diretora geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Magda Chambriard, depois de entregar à União sua participação mínima de 41,6%, pago o bônus de R$ 15 bilhões e o imposto de renda e contribuição social (CSLL) – ao longo da concessão – o consórcio vencedor ainda poderá ter lucro médio de 25% com a produção de petróleo em Libra, o maior campo do pré-sal até agora.
Ontem Magda chamou a atenção para o fato de Libra garantir, no mínimo, uma participação governamental equivalente a 75% do excedente em óleo. Esse percentual considera o bônus, o Imposto de Renda, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e o excedente em óleo que será entregue à União em percentual mínimo de 41,65%.
Baseada no fato de 30 empresas terem se qualificado para a 11ª Rodada, realizada em maio, Magda acha possível que o primeiro leilão de partilha tenha seis a oito consórcios participando. “Claro que é especulação, mas esperamos o interesse de todas as grandes petroleiras”, disse ela ao Valor, por telefone, de Londres.
Considerando o tamanho dos investimentos, que podem chegar a centenas de bilhões de reais, as empresas começaram ontem mesmo a fazer avaliações e estudar a viabilidade e retorno dos investimentos. Só o bônus de assinatura, que assim como royalties e encargos financeiros, não são reconhecidos como custo em óleo, vai custar R$ 15 bilhões. Cada empresa terá que pagar R$ 2 milhões para participar do leilão e ganhará quem oferecer maior percentual da produção de óleo para a União, respeitado o piso (41,65%).
Frisando que ainda é cedo para uma opinião sobre a atratividade econômica do leilão, o presidente do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), João Carlos França de Luca, criticou alguns pontos da minuta do edital e elogiou outros. Os dois principais itens negativos, na avaliação da indústria, são o prazo de concessão, de 35 anos não renováveis, e o percentual de recuperação de custos (custo em óleo), que é de 50% nos dois primeiros anos e de 30% nos anos seguintes.
O IBP avalia que o prazo deveria ser maior, dado que o concessionário deverá ter, no melhor dos cenários, apenas 26 anos de produção e comercialização do óleo do campo de Libra, considerando quatro anos de exploração (que se gostaria que fossem cinco) e cinco de desenvolvimento da produção.
“Isso também traz um nível de incerteza para dentro do projeto porque qualquer atraso que houver, um equipamento que não chegar no prazo previsto, por exemplo, vai estrangular o período de produção”, disse Flávio Rodrigues, coordenador de Relações Externas do IBP. “Se trabalharmos com o caso mais otimista, de 26 anos produzindo, isso pode ser reduzido para 25, 24 anos, dependendo do comportamento do projeto”, completou o executivo, lembrando que a Petrobras tem atrasado o início de seus projetos.
Ao criticar o máximo de 50% de recuperação do custo em óleo (correspondente às despesas associadas à exploração e produção) nos dois primeiros anos do contrato, o IBP avalia que trata-se de um percentual baixo, considerando os pesados custos que as companhias terão que arcar principalmente no início do projeto sem poder recuperar nos primeiros nove anos os investimentos para produzir o chamado “primeiro óleo”, previsto para 2017.
Uma fonte do governo explicou que os cálculos tiveram como base o percentual da Participação Especial (PE) paga nos campos que têm esse encargo, que incide sobre os de maior produção. “O custo [recuperável] nunca passou de 30%. Mas existe um gatilho que permite, a cada dois anos, voltar a recuperar 50% dos custos até fechar a conta”, explicou a fonte.
A partir das informações divulgadas ontem, a indústria precisará de tempo. “Agora todos começam um período de avaliação da atratividade. [Com as minutas] é possível simular nos modelos o break-even [ponto de equilíbrio] e a viabilidade mínima”, disse uma fonte. O edital traz uma tabela estabelecendo valores mínimos do excedente em óleo para a União que variam de acordo com o preço do petróleo – até US$ 60 e a partir daí variando a cada US$ 20 no preço até US$ 160,01 por barril – e a produtividade dos poços. É uma novidade que não se vê nos contratos de partilha mais conhecidos.
“Nos contratos de partilha consagrados não é esse o método de captura do lucro extraordinário”, observou o executivo. “Se é bom ou ruim ainda não dá para saber, mas o fato de o modelo incluir a produtividade por poço preocupa, porque não é possível estimar ainda. Existem dados do pré-sal em Tupi e um poço em Libra, mas ainda são insuficientes. Pode ser que os primeiros sejam excepcionais e os seguintes não tão bons”, completou a fonte, lembrando que a área de Libra tem 1,5 mil quilômetros quadrados.
Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra Estrutura, acha que a tabela é um aperfeiçoamento da Participação Especial que existe no modelo de concessão sem a variável preço (só volume), para capturar para o governo ganhos excessivos em caso de aumento do preço internacional e da produção de petróleo. “Na época em que foi feita a regra da PE o governo preferiu usar variáveis mais físicas e não físico-econômicas”, disse Pires, que foi assessor da presidência da ANP na fundação da agência.
Em uma análise preliminar da minuta do contrato, o advogado Leonardo Miranda, do escritório Machado Meyer, afirmou que o documento deixa evidente a confiança que o governo tem em relação à atratividade do pré-sal. “Acho que o governo foi coerente com o que vem anunciado há meses, no sentido de que considera o pré-sal uma joia tão preciosa a ponto de pouco importarem termos contratuais extremamente rígidos”, disse Miranda. “Libra é um ótimo teste, pois é um único ativo, ao contrário de um leilão onde há varias áreas em que uma ou mais possam justificar a aceitação de termos rígidos”, completou.
Para o advogado, um dos principais pontos que podem trazer dúvidas aos potenciais investidores está relacionada à governança. “As limitações de apropriação [dos custos] e a ausência de correção monetária são desestimulantes, já que existe um controle absoluto desses procedimentos nas mãos da PPSA. Na governança, a dúvida a ser testada é quão independentes serão a Petrobras e a própria PPSA”, disse advogado. Para Miranda o risco de governança aumenta “exponencialmente” se a Petrobras tiver mais do que 30% e o risco de perda dessa governança é reduzido apenas se os parceiros forem alinhados com a estatal.