Com incertezas e custo alto leilão de Libra tem 11 inscritos

  • 20/09/2013

O total de apenas 11 empresas que pagou a taxa de R$ 2 milhões para se inscrever para a 1ª rodada do pré-sal, que licitará o prospecto de Libra, na Bacia de Santos, frustrou as expectativas da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que esperava a inscrição de 40 empresas e a formação de oito consórcios para a disputa. Com a configuração atual, a expectativa no setor agora é que haja um número pequeno de consórcios e pouca competição. A lista, que reúne empresas de dez países, tem forte presença de companhias estatais – seis, no total, entre elas duas chinesas.

O Palácio do Planalto evita falar em fracasso. “O que importa é ter um consórcio forte vencedor, e não o número de participantes”, diz um auxiliar da presidente Dilma Rousseff. Integrantes do governo contam que o leilão será bem-sucedido e pontuam que, apesar de empresas importantes terem ficado de fora, outros grupos fortes se inscreveram, como a francesa Total, os noruegueses e os chineses. “Quem tem que ser criticado são as empresas por não participar, e não nós”, diz um interlocutor do governo. Só a ausência da britânica BG, parceira da Petrobras em blocos na bacia de Santos, surpreendeu autoridades no Palácio do Planalto.

“Eu esperava 40 empresas. Mas existe um contexto mundial, situações muito específicas que levam a essa situação”, disse ontem a diretora-geral da ANP, Magda Chambriard, alegando que as empresas que desistiram o fizeram por razões específicas.

Segundo especialistas do setor, porém, a baixa atratividade do leilão é explicada pelo inédito modelo de partilha montado pelo governo para explorar os recursos do pré-sal e por um conjunto de incertezas financeiras. Há dificuldade, por exemplo, para calcular a taxa de retorno sem saber ao certo a quantidade de óleo que será retirado da área e o quanto desse volume será entregue à União.

Outro motivo de preocupação se deve à forte intervenção do governo no consórcio que sairá vencedor do leilão. Além do fato de a Petrobras ser obrigatoriamente majoritária, com participação mínima de 30%, a estatal recém-criada Pré-sal Petróleo S.A. (PPSA) terá poder de veto no comitê operacional do consórcio, mesmo sem ter nenhuma participação acionária.

A avaliação do governo federal é que o valor do bônus de assinatura de Libra, fixado em R$ 15 bilhões, é alto até mesmo para grandes multinacionais do setor. Isso limita, segundo fontes do Planalto, o número de candidatos para a licitação.

No mercado financeiro, alguns analistas observaram que um dos pontos que podem ter afastado as grandes empresas é o fato de a Petrobras ser a operadora. As grandes companhias não confiam em ter a estatal “no banco de motorista”, por ela ser considerada mais cara e mais demorada que a média da indústria.
Para Adi Karev, líder global da Deloitte para a indústria de óleo e gás, os interesses do governo brasileiro e das petroleiras privadas podem ser conflitantes no consórcio de Libra. “Tem o risco das agendas [do governo e das empresas privadas] não serem as mesmas”, disse, ressaltando que as privadas podem ter intenção e fôlego de investimento mais altos do que o interesse e a política do governo.

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Como o leilão chamou mais atenção pelo potencial de recursos energéticos do que pela expectativa de lucro, as petroleiras estatais se destacam na lista de inscritas.
Das 11 cadastradas, 6 são estatais: as chinesas CNOOC e China National Petroleum Corporation (CNPC), a colombiana Ecopetrol, a indiana ONGC, a malaia Petronas e a brasileira Petrobras. Além disso, a estatal chinesa Sinopec também está inscrita para o leilão por meio da portuguesa Petrogal, da qual possui 30% de participação, e da joint venture Repsol Sinopec. Completam a lista a japonesa Mitsui, a anglo-holandesa Shell e a francesa Total.

Karev lembra que será a primeira vez que a China vai participar de um leilão no Brasil. “A importância que a China está colocando no Brasil é muito grande”, afirma. Ele revelou ainda que um executivo sênior de uma das quatro estatais chinesas está vindo de vez para o Brasil, em outubro, para gerenciar de perto dos investimentos da companhia no país. Entre os planos desta companhia, está um alto crescimento de investimentos.

Na avaliação do mercado, a desistência das gigantes norte-americanas ExxonMobil e Chevron e das britânicas BP e BG também pode estar ligada ao esforço financeiro exigido para o desenvolvimento da área. Mas houve quem levantou a hipótese de a desistência das norte-americanas estar relacionada ao recente escândalo de espionagem do governo brasileiro e da Petrobras. Isso porque, se elas ganhassem, poderiam ser feitas acusações de informação privilegiada.

Para o advogado Fernando Villela, sócio da área de petróleo e gás do Siqueira Castro Advogados, a tendência é que haja uma redução na concorrência no leilão de Libra como resultado de um menor número de empresas inscritas. Além disso, Villela diz que “a taxa de retorno ainda é uma caixa de surpresas”, e preocupa as empresas. Segundo ele, há bancos estimando o retorno entre 10% e 15% ao ano, mas esse é um tema que parece em aberto para as empresas pela novidade que representa o modelo de partilha da produção no Brasil.

No lançamento do edital de Libra, em julho, Magda Chambriard previu que o consórcio vencedor poderia ter lucro médio de 25% com a produção de petróleo em Libra, o maior campo do pré-sal até o momento, ao longo dos 35 anos da concessão. A conta já descontava o percentual mínimo de 41,6% do chamado óleo lucro, o excedente em óleo que será entregue à União, e os pagamentos do bônus de R$ 15 bilhões e do imposto de renda e contribuição social (CSLL).

Segundo o secretário-executivo de Exploração e Produção de Petróleo e Gás do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), Antonio Guimarães, o porte de Libra e a necessidade de grandes investimentos na área podem ter influenciado na atratividade do leilão. “Se também houvesse campos menores sendo ofertados, poderia aumentar o número de participantes”, afirmou.

A própria Shell reforçou que o fato de que ter se inscrito não garante que irá participar da concorrência. “A Shell confirma que submeteu a documentação de inscrição à ANP, assegurando estar apta a participar do leilão, se assim optar”, disse a companhia, em nota.

Procurada, a Petrobras não se manifestou. Em Brasília, porém, a presidente da companhia, Maria das Graças Foster, afirmou que só duas pessoas na companhia sabem falar sobre Libra: ela própria e o diretor de Exploração e Produção, José Miranda Formigli.

Valor Econômico – Rodrigo Polito, Ana Paula Ragazzi, Francisco Góes e Marta Nogueira, do Rio de Janeiro
(Colaboraram Maíra Magro e Daniel Rittner, de Brasília)
20/09/2013|Seção: Notícias da Semana|Tags: , , |