O desinteresse das grandes companhias privadas de petróleo do mundo pelo Campo de Libra, um dos maiores do pré-sal, mudou as expectativas em relação ao leilão e foi a primeira reação – negativa – das multinacionais que dominam o setor sobre o novo regime de partilha que estreará no dia 21 de outubro.
É intrigante que a maioria das grandes petrolíferas tenham ficado fora de uma das maiores reservas inexploradas no mundo. O Campo de Libra tem atrativos de sobra. Estima-se que possua de 8 a 12 bilhões de barris de óleo, isto é, isoladamente, de 62% a 93% de todas as reservas provadas existentes no Brasil. Dificuldades políticas e regulatórias não costumam ser obstáculos intransponíveis para investimentos das gigantes do petróleo nos quatro cantos do mundo. Elas já realizaram negócios sob os mais variados regimes de remuneração e até sob governos que tinham um franco desdém pelo lucro privado, como, por exemplo, o de Hugo Chávez, na Venezuela.
Várias hipóteses levantadas para essa atitude das multinacionais não são muito convincentes, embora possam ser verdadeiras. O bônus de assinatura, de R$ 15 bilhões – algo como US$ 6,5 bilhões – é inegavelmente alto. Descontada a participação obrigatória mínima de 30% da Petrobras, o valor, de cerca de US$ 4,5 bilhões, não chega a ser nenhum empecilho para as gigantes do setor, que podem captar esses recursos ainda em um período de farta liquidez global e de juros baixos. A alegação da existência de outros “compromissos” em vários países, que tornariam inviáveis a participação na empreitada no Brasil é curiosa, porque elas sabem que o país tem um mar de petróleo a explorar desde 2007, pelo menos.
Um dos fatos novos é que há outras fontes de energia competindo com o petróleo, como o óleo e gás de xisto (shale). Mas eles são recursos igualmente finitos, cuja exploração não é excludente à busca dos suprimentos convencionais. O que a revolução do gás e óleo de xisto podem causar no curto prazo – e isso ainda não ocorreu em magnitude importante – é uma pressão baixista sobre o custo do petróleo. Esse impacto pode ou não ser vigoroso no futuro. Não foi forte até agora, considerando-se que mesmo com recessão severa na Europa e desaceleração nos EUA e na China as cotações do petróleo raramente se moveram abaixo dos US$ 90 o barril.
Os possíveis riscos para as empresas petrolíferas começam no retorno do investimento, difícil de mensurar especialmente pelas incertezas sobre o que será ou não custo operacional reconhecido no sistema de partilha – uma definição a cargo da Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA). De qualquer forma, isso não impediria a participação no leilão de Libra, embora pudesse levar a lances bastante conservadores para a entrega de óleo ao governo, além da mínima, fixada em 41,5%.
Maiores motivos para insatisfação e discordância parecem surgir em relação ao modelo do negócio. Com 30% ou mais de participação em consórcio, a Petrobras será a operadora dos campos e há a percepção de que a estatal tem uma estrutura de custo maior, menor agilidade e sofre interferências políticas. A seu favor há o pleno domínio da tecnologia de exploração em águas profundas.
Definida a operadora e o percentual de sua fatia no negócio, a empresa interessada terá de se submeter à PPSA, que não colocará um centavo na exploração, mas dominará metade do comitê operacional, responsável entre outras coisas pela definição dos custos em óleo que serão aceitos e pela gestão do negócio. Em todas as decisões, a PPSA terá poder de veto ou o voto de minerva. As empresas que se associarem à Petrobras terão, então, pequena margem de manobra ou decisão no empreendimento, no qual terão de entregar pelo menos 41,5% da produção e, em um leilão francamente competitivo, bem mais que isso.
Ao escolher esse modelo, o governo brasileiro definiu sua opção. Atraiu para o leilão uma maioria de empresas estatais, especialmente chinesas, cuja motivação essencial é a garantia de suprimento e não necessariamente lucros. Com exceção de Shell e Total, todas as interessadas têm menor porte que a Petrobras, embora possuam capacidade financeira em geral superior. Uma das consequências dessa opção é menor concorrência – tendo o mesmo patrão, por exemplo, dificilmente as três grandes empresas chinesas concorrerão entre si no leilão. Por outro lado, essas estatais se sentem bastante confortáveis com o rígido esquema em que a PPSA amarrará os sócios da Petrobras na empreitada.