Com o aumento previsto da oferta de gás natural nos campos do pré-sal nos próximos anos, serão necessários investimentos de US$ 22 bilhões em infraestrutura logística de transporte. A estimativa é da consultoria NatGas Economics, que calculou o volume de recursos necessários para levar ao mercado consumidor os 68 milhões de metros cúbicos a mais que a Petrobras prevê ofertar por dia até 2030. Atualmente, toda a malha de gasodutos de 9 mil quilômetros — que é da Petrobras — tem capacidade de transportar cerca de cem milhões de metros cúbicos/dia de gás. No primeiro trimestre deste ano, a oferta total chegou a 88,8 milhões de metros cúbicos/dia.
Márcio Balthazar, sócio da NatGas, vê na expansão da malha de gasodutos uma oportunidade para a iniciativa privada investir no setor, que é dominado pela Petrobras. Segundo Balthazar, se a iniciativa privada participasse com 50% dos investimentos, isso liberaria recursos para a Petrobras investir mais na produção de petróleo. Ele admite, porém, que o setor de gás natural passa por um momento difícil no qual será preciso adotar profundas mudanças na sua política e regulamentação para expansão futura.
— Há uma necessidade de ampliar em 68% a capacidade da malha até 2030. Se a Petrobras fizesse a expansão com sócios privados entrando com 50% dos investimentos, isso representaria economia de US$ 11 bilhões para a estatal. A Petrobras é como um fabricante de TVs que compra caminhão para levar aparelhos ao consumidor — disse Balthazar.
O gás natural — que já sofre com a rivalidade de abastecimento entre indústria e térmicas e a falta de uma política clara de preços — encontra um desafio adicional. O Plano Decenal de Expansão da Malha de Transporte Dutoviário (Pemat), lançado em março, indica que o tempo para finalizar o projeto de construção de um gasoduto poderá ser quase o dobro do atual, chegando a quase dois anos. E isso se tudo correr dentro do planejado, atesta uma fonte do governo. É nesse cenário, dizem especialistas, que surge a necessidade de ajuste na política do setor. A Petrobras, embalada pelo pré-sal, passará de uma capacidade de oferta de 118 milhões de metros cúbicos por dia (médios) no fim de 2014 para 168 milhões de metros cúbicos diários em 2030.
Com a Lei do Gás, de 2009, e o Pemat, aprovado neste ano, a Petrobras não pode simplesmente construir novos gasodutos. Agora, é preciso enviar a proposta para o Ministério de Minas e Energia (MME), que a submete à avaliação da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Em seguida, são feitas chamadas públicas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP): uma para a construção do gasoduto e outra para transportar o gás. A ideia é aumentar a concorrência e estimular investimentos. Mas desde o lançamento do projeto, poucos negócios chegaram à mesa do MME. Além de um gasoduto proposto pela Petrobras, em Guapimirim, há outro no Sul para levar o gás a uma térmica.
— O processo será mais lento agora. Quem precisar de um duto, terá de se programar. Nas chamadas públicas, ganha quem oferecer o menor preço. Isso permitirá queda nas tarifas e dará acesso a outras empresas. Não teremos mais a Petrobras como operadora única. Ainda estamos aprendendo. Se tudo der certo, pode levar quase dois anos. A ideia é reduzir isso a um ano — disse uma fonte do MME.
Até 2030, a Petrobras informou, em nota, que não prevê investimentos na expansão de sua malha de gasodutos de transporte. “O atendimento à demanda das distribuidoras e das novas usinas termelétricas será garantido por novos pontos de entrega e estações de compressão, não necessitando nenhum investimento na malha de gasodutos de transporte”. Segundo a Petrobras, a malha atual, de 9 mil quilômetros, foi projetada para atender à demanda no longo prazo. A estatal destacou que, conforme seu Plano de Negócios 2014/18, serão investidos US$ 590 milhões para a garantia da continuidade, confiabilidade e segurança operacionais da infraestrutura.
Por outro lado, o setor privado, segundo especialistas, não vê lucratividade para investir no setor de gás. Um executivo de petrolífera internacional que atua no Brasil disse que para “quebrar o monopólio de fato” da Petrobras no segmento de transporte seria necessário fazer a concessão dos gasodutos existentes para o setor privado operar, assim como foi feito em rodovias e em alguns aeroportos. O presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, avalia que a definição do futuro da matriz energética depende do gás, de garantia de oferta e de preços competitivos: — A grande questão que tem que ser decifrada, como a esfinge, por todos nós é o futuro do gás, que é a chave da matriz energética.
Um aspecto citado por especialistas é justamente o aumento futuro da produção de gás e o quanto disso chegará ao mercado. Hoje, dizem eles, não existe garantia firme por parte da Petrobras para as distribuidoras quanto ao aumento da oferta após 2018. Isso impede que empresários planejem novos projetos usando como matéria-prima o gás. Segundo o Pemat, estão previstos gasodutos entre o Nordeste e o Pará, por conta da Bacia do Parnaíba, rica em gás, e em Minas Gerais, onde está a Bacia do São Francisco. Mas, segundo fonte do MME, a expansão da malha dependerá do desenvolvimento dessas regiões, que estão em fase exploratória.
Para Tolmasquim, outro ponto fundamental é saber o custo do gás, ou seja, se ele será competitivo ou não. Hoje, a política de preços é complexa, com valores diferentes nos estados do Sul, que consomem gás importado da Bolívia, e nos do Sudeste e Nordeste, que consomem o gás produzido no país. — A perspectiva é que teremos muita oferta de gás, seja com o pré-sal ou com o gás não convencional (shale gas) em terra. No momento, não se tem a garantia de qual será a oferta e quais serão os preços. São variáveis para o planejamento. Tendo gás, o mercado aparece — disse Tolmasquim.
Outra questão apontada por Rodrigo Más, sócio da consultoria Bain & Company, é o uso do gás para a geração de energia elétrica no país:
— Para saber os volumes que serão disponibilizados ao mercado, é preciso decidir se as térmicas a gás continuarão a funcionar só em momento de emergência, como agora, ou se vão fazer parte da garantia firme da geração elétrica junto com a hídrica. O que se quer para o mercado de gás? É para o mercado consumidor (indústria) ou para térmicas? É outra indefinição que precisa ser resolvida.
Para Carlos Assis, da EY (ex- Ernest & Young), são necessários ajustes regulatórios e ações na política energética nacional:
— A visibilidade no médio e longo prazos da disponibilidade desses recursos (gás) de forma segura e constante vai fomentar os investimentos futuros. É um processo que vai demorar anos, mas temos que dar os primeiros passos com mudanças graduais na política energética e no arcabouço regulatório. Hoje, o dilema do empresário é “invisto agora ou aguardo o mercado do gás para investir?” É o dilema de quem veio primeiro: o ovo ou a galinha? Mas o futuro é extremamente promissor. Temos perspectiva de oferta crescente com o pré-sal e o gás não convencional. Temos demanda reprimida.
Eduardo Raffini, da consultoria Deloitte, destaca que, com o aumento da oferta de gás no mundo, principalmente a partir do gás não convencional (shale gas) nos Estados Unidos e no Canadá, o mercado do gás tende a deixar de ser regional e se tornar um mercado global. Ao mesmo tempo se visualiza um forte mercado consumidor nos países asiáticos como China, Índia e Coreia do Sul, entre outros. E tudo isso poderá baratear os preços do gás natural no mundo, com impacto no mercado brasileiro.
— A evolução do mercado internacional vai influenciar como vai se desenvolver o mercado aqui no Brasil, principalmente em relação aos preços — disse Raffini.