Nota do SINAVAL 

  • 25/05/2021

O SINAVAL, em seu papel institucional de representação da Indústria Naval em nível nacional, vem a público prestar esclarecimentos sobre o recente posicionamento da Petrobras, divulgado após reunião com a Comissão Especial de Indústria Naval da ALERJ.

  1. Inicialmente, ressaltamos que a decisão da Petrobras de encomendar plataformas de produção nos estaleiros asiáticos não foi tomada em decorrência de problemas quanto à qualidade dos produtos brasileiros. Mas é de conhecimento geral, entretanto, que várias obras recebidas do Exterior destinadas à Petrobras apresentaram problemas técnicos. Plataformas construídas na China tiveram que ficar ancoradas na Baía de Guanabara por longos períodos para reparos e complementações por empresas brasileiras, como amplamente divulgado pela imprensa. A qualidade desses produtos mostrou-se deficiente e as plataformas deixaram de produzir petróleo e gás por meses.
  2. Foi o que ocorreu, só para citar um caso entre os vários divulgados pela imprensa, com a plataforma P-67. Lembremos que aquela unidade, do tipo FPSO, depois de chegar da China em julho de 2018, passou por reparos demorados na Baía de Guanabara antes de entrar em serviço no campo de Lula Norte, na Bacia de Santos. O prejuízo com o adiamento da produção de petróleo em mais de seis meses por essa plataforma nunca foi divulgado. A Petrobras, em sua manifestação à ALERJ, não menciona esse e outros atrasos na produção dos campos nem informa os prejuízos causados ao País e, particularmente, ao Estado do Rio de Janeiro, preferindo, injustamente, destacar atrasos que seriam provocados somente pela Indústria Naval brasileira.
  3. Ainda na questão dos prazos de entrega, a manifestação da Petrobras não menciona que muitas plataformas foram entregues por estaleiros brasileiros dentro do prazo contratado e, em alguns casos, até mesmo com adiantamento em relação às datas contratuais, tendo alguns estaleiros até recebido da Petrobras prêmios de desempenho e cumprimento de prazos.
  4. Em alguns contratos, ocorreram atrasos, mas, em inúmeras oportunidades, esses atrasos foram devidos a modificações nos projetos por parte da própria Petrobras (que também nunca são admitidos publicamente pela Petrobras). Ressaltamos que os estaleiros estrangeiros dificilmente aceitam o grau de alterações durante a execução das obras que a Petrobras pratica nas contratações à Indústria Naval brasileira. Mesmo assim, sempre houve notícias de atrasos consideráveis nas entregas à Petrobras de várias unidades encomendadas em estaleiros asiáticos, agora e no passado.
  5. A manifestação da Petrobras à Comissão da ALERJ procura atribuir ao Conteúdo Local a responsabilidade por atrasos, mas prefere ignorar os benefícios ao País e à sociedade brasileira em termos de geração de renda local nos Estados onde as obras foram executadas e de geração de empregos de qualidade proporcionados por essas obras. A posição da Petrobras, “a favor da competitividade, sem reserva de mercado e com Conteúdo Local compatível”, não parece levar em conta os interesses do País. Níveis adequados de Conteúdo Local não significam a adoção de reserva de mercado. O Conteúdo Local sempre foi estimulado pela Petrobras nas administrações anteriores ao Governo Temer e seu baixo nível atualmente em vigor é um retrocesso, com consequências danosas para a indústria brasileira e seus trabalhadores.
  6. A questão da competitividade, citada de passagem pela Petrobras em suas declarações à Comissão da ALERJ, está relacionada ao preço das obras brasileiras quando comparado com o preço asiático. O assunto merece uma reflexão mais profunda do que o mero exercício numérico. Nenhuma indústria brasileira consegue ser competitiva com os preços praticados na Ásia, sobretudo na China, e isso ocorre por diversos fatores: o “custo Brasil” que onera a produção nacional; a participação de governos asiáticos em favor de suas empresas nas concorrências internacionais; o regime de trabalho nesses países, muito diferente do que existe nas indústrias do Brasil; a carga de impostos diretos e indiretos que prejudica a indústria brasileira; etc. No caso da Indústria Naval, sabe-se que os governos asiáticos apóiam e favorecem seus estaleiros com subsídios e práticas que não existem no Brasil.
  7. Sobre essa questão do apoio governamental nos países asiáticos a seu estaleiros (e, por extensão, a toda a cadeia de fornecedores), veja-se, por exemplo, a notícia em anexo, publicada em 24 de maio no site japonês www3.nhk.or.jp.
  8. Em resumo, nossa Indústria Naval não tem condições de competir com a asiática nessa questão dos preços, embora seja competitiva na construção de muitos outros produtos em que os estaleiros asiáticos não têm relevância internacional.
  9. Deve-se considerar, ainda, que uma demanda perene contribuiria para a redução progressiva dos custos brasileiros. Isso não foi, nem de leve, abordado pela Petrobras nessas declarações recentes. A Empresa decidiu ignorar os benefícios dessa perenidade e optou pelas contratações na Ásia, pondo de parte todas as conquistas do passado recente, em termos de desenvolvimento tecnológico, capacitação empresarial, formação de mão de obra competente e especializada e ganhos de produtividade. Nesse aspecto, ressaltamos que a Indústria Naval brasileira teve seu progresso interrompido após 2014, depois de um período de cerca de 15 anos a partir do ano 2000, tendo atingido ao final desse período o número histórico máximo de empregos e entregado várias obras a partir, praticamente, do zero. Note-se que esse período foi muito mais curto do que o tempo que a indústria naval da Ásia teve para desenvolver-se. Assim, é necessário que seja levado em conta que a decisão tomada pelas administrações da Petrobras a partir do Governo Temer até a posse do Presidente Silva e Luna – de adquirir suas plataformas em estaleiros asiáticos – não considera a importância de que uma demanda constante certamente teria reflexos benéficos nos custos dos estaleiros e, em conseqüência, nos preços finais de contratação. A decisão de contratação de plataformas na China pelo menor preço ofertado é, portanto, injusta e prejudica não só os estaleiros brasileiros como também as indústrias de navipeças nacionais.
  10. Sobre o importantíssimo aspecto da geração de empregos, deve-se considerar que num país como o nosso, sem muitas oportunidades de emprego de qualidade, a virtual paralisação dos estaleiros agravou a situação brasileira nessa questão, com a perda de cerca de 70 mil postos de trabalho só nos estaleiros e de 300 mil nas indústrias que compõem sua extensa cadeia produtiva. Ao mesmo tempo que nossos empregos estão sendo exportados para a Ásia, as instalações dos estaleiros, muitas delas equiparadas às melhores do mundo, estão ociosas. Corre-se o risco de ver perdidos os bilhões de reais investidos nos estaleiros, com estímulo e apoio do Governo brasileiro, para atender, principalmente, às demandas previstas pela própria Petrobras. O projeto de atendimento à demanda que norteou a decisão de investimentos na construção e modernização de estaleiros foi desconsiderado e a situação hoje é de desalento na Indústria Naval em vários Estados, inclusive no Estado do Rio de Janeiro. Isso pode ser revertido, entretanto, se houver, por parte do Governo brasileiro e da Petrobras o necessário e urgente reconhecimento de que tal situação não pode mais perdurar.

Estas são as ponderações que o SINAVAL permite-se apresentar como contribuição para o correto exame da questão do direcionamento da demanda da Petrobras por plataformas de produção de petróleo para os estaleiros asiáticos e suas consequências. Estamos, como sempre estivemos, à disposição da ALERJ e da própria Petrobras – tradicional cliente da Indústria Naval brasileira ao longo de décadas – para o debate sereno e desapaixonado desse assunto em alto nível, como a importância do assunto requer.

 

Rio de Janeiro, 25 de janeiro de 2021.

Ariovaldo Rocha – Presidente do SINAVAL

25/05/2021|Seção: Notas para a Imprensa, Notícias da Semana|Tags: , , , , |