Entidades setoriais apresentaram ao governo federal um conjunto de propostas com o objetivo de aumentar a participação da indústria local de bens e serviços, no setor de petróleo e gás natural. O grupo, com representantes de estaleiros, fornecedores e do setor de engenharia, defendeu um conteúdo local mínimo estável e que dê segurança aos investimentos, permitindo a criação de políticas de estímulo para aumentar a participação da indústria local em todas as fases da cadeia, desde a exploração até a produção de petróleo e gás.
O Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), a Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi) e a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) reafirmaram a necessidade de uma política de conteúdo local previsível e juridicamente estável para atrair investimentos e utilizar a capacidade ociosa da indústria nacional.
As propostas foram apresentadas a representantes dos ministérios de Minas e Energia (MME), do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e da Casa Civil. O encontro, realizado em julho, na sede do MME, em Brasília, também contou com a participação de órgãos do governo, como a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
As entidades também sugeriram a garantia da previsibilidade da demanda com a realização de novos leilões e definição de índices de conteúdo local mínimo (CLM), principalmente na Margem Equatorial. Outra proposta é que para plataformas de petróleo se fixe o CLM para três grandes grupos: “Engenharia”; “Equipamentos e Materiais”; e “Construção, Montagem, Integração e Comissionamento”. Também estão na pauta a criação de um novo fundo garantidor para construção naval e offshore, que já era defendido pelos estaleiros, além do estabelecimento de um novo modelo de contratação, com concorrências separadas para casco, topsides e integração.
Sinaval, Abemi e Abimaq também pedem a previsão para manutenção do fluxo de caixa neutro nos pagamentos aos vencedores das concorrências, além da integração e fortalecimento da cadeia de fornecedores e da priorização da execução, no Brasil, da Engenharia — tanto básica, quanto de detalhamento. O grupo solicitou ainda a revisão e adequação das políticas públicas, associadas a temas como: instrumentos legais, apoio financeiro de longo prazo, apoio à exportação e incentivos fiscais federais, estaduais e municipais.
O Sinaval considera que a implementação dessas propostas é fundamental para garantir o desenvolvimento sustentável da indústria de petróleo e gás no Brasil, além de incentivar a indústria de construção naval e offshore brasileira. O sindicato observa um esforço do governo para reativar o setor naval no Brasil. A avaliação é que, após a posse da atual presidente da Petrobras, Magda Chambriard, a empresa tem se mostrado mais ativa e disposta a entender as dores dessa indústria.
O sindicato também entende que as propostas apresentadas pelas entidades ao governo vão ao encontro da licitação da Transpetro para a contratação de quatro navios da classe Handy. O secretário-executivo do Sinaval, Sérgio Leal, acrescenta que a atividade possui caráter estratégico para geração de emprego, renda e tecnologia para o país. “É importante que haja continuidade nos investimentos em exploração, como, por exemplo, a extração na Margem Equatorial, a fim de que se garanta maior previsibilidade de desenvolvimento para o setor”, comenta Leal.
O Sinaval aponta que a redução dos índices de conteúdo local e a preferência por fornecedores internacionais resultaram em perdas significativas para a indústria naval brasileira. A economia nacional teria perdido aproximadamente R$ 32 bilhões anualmente, com a perda de 60 mil empregos diretos e 180 mil indiretos. De acordo com o sindicato, entre 2005 e 2012 foram realizados investimentos significativos em novos estaleiros, ampliações e modernizações. Contudo, a percepção dos estaleiros é que a capacidade instalada permanece subutilizada devido às barreiras financeiras e operacionais enfrentadas pelos fornecedores nacionais.
O Sinaval entende que um cenário de instabilidade jurídica, baixa previsibilidade e as constantes mudanças nas regras trouxeram prejuízos significativos para a indústria local de bens e serviços. A leitura é que a redução drástica dos percentuais de conteúdo local pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e a edição da resolução 726/2018 pela ANP alteraram profundamente o cenário competitivo, prejudicando ainda mais os fornecedores nacionais.
No evento em Brasília, o MME lançou um chamamento público de subsídios sobre a política de conteúdo local no setor de petróleo e gás. “Nossa ideia é montar um grande panorama que nos auxilie a aperfeiçoar essa demanda. E por isso queremos ouvir representantes da sociedade e da indústria por meio da consulta pública, buscando evoluir na política de conteúdo local“, disse o secretário de petróleo, gás natural e biocombustíveis da pasta, Pietro Mendes, durante a reunião.
A Câmara Setorial de Equipamentos Navais e Offshore da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (CSENO) espera que as futuras encomendas priorizem o conteúdo local, promovendo o desenvolvimento da cadeia de fornecimento nacional e fortalecendo a soberania industrial do país. “A Abimaq intensificou a defesa da indústria local junto ao governo federal, promovendo políticas que incentivem a construção naval e a produção de equipamentos offshore, essenciais para a soberania nacional e o fortalecimento do conteúdo local”, destaca o presidente da CSENO/Abimaq, Leandro Nunes Pinto.
A CSENO/Abimaq acredita que o novo ciclo de encomendas da Transpetro pode representar uma revitalização significativa para a indústria naval brasileira, gerando empregos e estimulando a economia. Pinto diz que as expectativas em relação à iniciativa são grandes, apesar de o primeiro lote prever a construção de poucas unidades.
“Sabemos que o número de embarcações precisa crescer. Para uma não só revitalização, mas sim uma manutenção das nossas capacidades de construções navais, é necessária uma escalabilidade”, analisa Pinto, que também é diretor geral de desenvolvimento de negócios da área naval da Anschütz na América Latina.
Ele acrescenta que os membros da câmara setorial enxergam grandes oportunidades nos segmentos de construção e reparo naval, produção de equipamentos para a indústria de óleo e gás, e na fabricação de embarcações de apoio offshore. Segmentos emergentes como a descarbonização e a transição energética também são vistos pela CSENO como áreas promissoras, onde a inovação tecnológica e a sustentabilidade são fundamentais para capturar novas demandas do mercado.
A CSENO identifica uma série de desafios para a retomada da construção naval nos estaleiros nacionais, como a necessidade de qualificação e requalificação da mão de obra, a mobilização de recursos financeiros e logísticos, além do fornecimento de serviços, materiais e componentes nacionais. A avaliação é que falta uma preparação da mão de obra para lidar com novas tecnologias e processos de fabricação. Outro desafio requer um planejamento eficiente dos recursos para garantir a competitividade dos estaleiros. Por fim, uma coordenação eficaz entre os fornecedores para atender prazos e padrões de qualidade exigidos.
A câmara setorial da Abimaq também destaca a organização de delegações de empresários para discussões com diretorias da Marinha do Brasil, e discussões na câmara de nacionalização da Empresa Gerencial Projetos Navais (Emgepron), reforçando o compromisso da CSENO/Abimaq em promover o crescimento e a competitividade da indústria naval e offshore brasileira, gerando empregos e fortalecendo a economia do país.
A CSENO observa ainda uma evolução positiva na participação dos fornecedores nacionais nos projetos recentes da Marinha do Brasil. Na visão da CSENO, em projetos como o das fragatas classe Tamandaré e do navio polar Almirante Maximiano têm havido um esforço significativo a fim de integrar a cadeia de fornecimento nacional. “Esta participação não apenas fortalece a indústria local, mas também contribui para a independência tecnológica e a soberania nacional”, acrescenta Pinto. A CSENO está trabalhando junto à câmara de nacionalização da Emgepron para avaliar necessidades estratégicas e específicas para desenvolvimento de conteúdo local na aplicação de novos programas da Marinha.
No setor de petróleo e gás, a CSENO tem concentrado suas atividades em várias frentes. Uma das principais é a promoção do conteúdo local, incentivando a participação das empresas brasileiras na cadeia de fornecimento de equipamentos e serviços para a exploração e produção de petróleo e gás. A câmara da Abimaq vem mapeando o mercado e avaliando suas futuras demandas, abrindo canais de discussão com principais players do mercado para melhorar essa interação de seus associados e alcançar reais oportunidades de fornecimento local.
Contudo, a CSENO vê com cautela o fato de que alguns grandes projetos estão sendo realizados no exterior, o que representa um desafio para a indústria nacional. A entidade considera crucial o desenvolvimento de programas locais que incentivem a realização de projetos no Brasil, alimentando assim toda a cadeia de fornecedores nacionais. “Esses programas poderiam proporcionar um ambiente mais favorável para as empresas brasileiras, fortalecendo a indústria local e contribuindo para a soberania energética e industrial do país”, diz Pinto.
O professor de Engenharia Oceânica da Coppe/UFRJ, Floriano Pires, lembra que houve um esforço grande no começo dos anos 2000 para remontar um quadro de engenharia e de projetos. Mas, quando os primeiros avanços começaram a ocorrer, o ciclo da indústria foi interrompido e, hoje, o Brasil se vê novamente com esse desafio. Segundo Pires, o país vive um momento decisivo e importante para desenvolver sua economia, capacitando mão de obra e agregando conhecimento e produtividade a essa indústria. “É mais uma oportunidade de retomar o caminho da reindustrialização, com qualificação da mão de obra brasileira e ampliação de mercados”, analisa Pires.
Pires observa que existem iniciativas em curso como as recentes licitações da Petrobras para a contratação de embarcações de apoio marítimo e o lançamento do edital da Transpetro para a construção de novos navios. Ele pondera que a retomada das atividades de construção de forma pujante exigirá mais do que o estágio atual do Brasil, pois há necessidade de políticas fortes que sejam perenes e além dos ciclos de governo. “Só se passa essa barreira com política de Estado de longo prazo e com estratégias bem desenvolvidas. Sem o apoio e a participação do governo, nenhuma indústria no mundo prosperou. Faltam estratégias nacionais aqui”, aponta Pires.
Para o professor, diante da competitividade de outros países nessa atividade, é preciso olhar os problemas de forma mais macro para que os estaleiros e a cadeia de suprimentos atinjam uma nova curva de aprendizado e tenham mais condições de sobressair no mercado internacional. Pires identifica que, além de encomendas e de boas condições de financiamento, existem carências de infraestrutura, mão de obra qualificada, engenharia de processos e capacidade gerencial. “Tem que passar por um estágio de aprendizado. Mas não basta produzir do mesmo jeito — durante dois ou quatro anos — que avança o aprendizado. É um processo complexo”, diz Pires.