O secretário Nacional de hidrovias e navegação, Dino Antunes Batista, defendeu a manutenção do Registro Especial Brasileiro (REB) no texto da Reforma Tributária (PLP 68/2024), que tramita no Congresso. Ele considera a preservação do benefício atualmente um dos principais temas da pauta de discussões setoriais com os parlamentares. Batista ressalta que esse dispositivo é fundamental para a construção naval, na medida em que existe uma relação ‘umbilical’ desta atividade com a navegação que não pode ser interrompida.
“Se a gente não conseguir manter a questão do REB, é a morte da indústria da construção naval e a morte da indústria da construção naval prejudica também a navegação”, alertou Batista, durante o seminário ‘O aprimoramento de sistemas de fomento à navegação interior brasileira’, promovido pela Frente parlamentar da navegação no interior, na Câmara dos Deputados, em novembro.
Na ocasião, o vice-presidente da frente, deputado federal Saullo Viana (União-AM), disse que foi alertado pelo setor da navegação sobre o risco da retirada dos benefícios do REB do texto em discussão no Senado. Vianna acrescentou que a frente vai discutir o tema com o relator da matéria, o senador Eduardo Braga, a fim de manter o dispositivo no texto da regulamentação da reforma.
Nos últimos meses, representantes de segmentos da navegação, estaleiros e marítimos vêm apontando para o risco de impactos negativos da Reforma Tributária proposta pela Câmara de Deputados na navegação brasileira e na construção naval. Entidades setoriais dessas categorias se manifestaram alertando que o atual texto do PLP-68/2024, em discussão no Congresso, contém propostas que ameaçam a competitividade dessas atividades, com consequências para a soberania, segurança energética, economia e geração de empregos.
Estaleiros e entidades do setor de navegação entendem que o REB representa um pilar estratégico na política pública voltada para o fomento e o desenvolvimento da marinha mercante nacional, desempenhando um papel crucial na consolidação de uma infraestrutura marítima robusta e competitiva, garantindo a ampla desoneração fiscal da cadeia de construção, manutenção e reparo de embarcações pré-registradas ou registradas no REB. O dispositivo, instituído pela Lei 9.432/1997, marco regulatório da navegação brasileira, prevê que vigora a desoneração fiscal nas cadeias de construção, reparação e modernização da embarcação inscrita no regime tributário especial.
O Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (Syndarma) avalia que, apesar do impacto positivo do marco regulatório na frota brasileira de embarcações de apoio marítimo, o setor continua atento na defesa do arcabouço legal e do ambiente de negócios edificado há quase 30 anos. O entendimento é que, no atual ciclo de crescimento do segmento, o setor já experimenta grandes desafios, como na regulamentação da Reforma Tributária (PLP 68/2024), que exigiu a mobilização para preservação da competitividade da bandeira brasileira, mantendo benefícios do REB instituído pela Lei 9.432/97.
“Na dura batalha junto ao Congresso, o setor produtivo se mobilizou — como há muito não se via — e armadores e construtores, além dos trabalhadores, vêm trabalhando unidos em prol da bandeira brasileira e do desenvolvimento do país”, comentou o presidente do Syndarma, Gustavo Machado, que também é presidente da Associação Brasileira das Empresas de Apoio Marítimo (Abeam), durante evento de comemoração dos 90 anos do Syndarma, no final de outubro, no Rio de Janeiro (RJ).
Machado destaca que o desenvolvimento da navegação de apoio marítimo no Brasil se deu a partir da edição da Lei 9.432/97, marco regulatório da navegação, consagrando a política pública de desenvolvimento da frota nacional e confirmando a prioridade de emprego da bandeira brasileira, delineada pela Constituição Federal de 1988. Ele considera que a legislação, junto à demanda induzida pela Petrobras, contribuiu para montar a equação de fomento para construção de embarcações no Brasil e a constituição de frota própria, protegendo da investida de terceiros com interesses “particulares, imediatistas e sem qualquer compromisso com a navegação brasileira”.
O presidente do Syndarma/Abeam acredita que a Petrobras entendeu novamente a necessidade estratégica da frota nacional e celebrou o anúncio de licitações da companhia para novas construções no Brasil, com uma demanda de 30 embarcações de apoio marítimo. O primeiro processo tem regras semelhantes aos programas de renovação da frota de apoio marítimo (Prorefam) e prevê a construção e afretamento de 12 PSVs (transporte de suprimentos) de grande porte.
As regras atuais estão atreladas a contratos operacionais de até 12 anos, 40% de conteúdo local, além de possibilitar o emprego de novas tecnologias, engajando a frota nas medidas de descarbonização. “Para as próximas rodadas de licitações, estão previstos mais 10 OSRV (combate a derramamento de óleo) e oito RSV (embarcações equipadas com robôs). As empresas [brasileiras de apoio marítimo] se preparam para apresentar suas propostas”, afirma Machado.
Para o Syndarma/Abeam, o marco regulatório da navegação brasileira e a legislação associada instituíram regras claras e favoráveis para o ambiente de negócios, atraindo investimentos para o país. Em menos de 25 anos, foram construídas em estaleiros brasileiros cerca de 250 embarcações de variados tipos, desde unidades para movimentação de pessoas e cargas, até embarcações mais sofisticadas como AHTS (manuseio de âncoras), gerando milhares de empregos na indústria da construção naval e no setor de navegação.
A indústria de petróleo e gás representa hoje 15% do PIB industrial brasileiro e 97% da exploração e produção acontecem nos campos marítimos. “O robusto arcabouço regulatório, o necessário suporte governamental, o empenho da Petrobras e, nesse momento, a boa disposição das demais operadoras e empresas de serviços contratantes das embarcações de apoio marítimo fazem dessa modalidade de navegação o último elo direto da cadeia produtiva de energia no mar”, ressalta Machado.
“São embarcações brasileiras relativamente jovens, tecnologicamente sofisticadas, estado da arte, e capazes de atender às demandas com competências em águas rasas, profundas e ultraprofundas”, destaca Machado. O Syndarma/Abeam estima que, em toda cadeia produtiva dos estaleiros, foram aportados quase US$ 11 bilhões, aproximadamente 50% dos recursos do Fundo da Marinha Mercante (FMM) desembolsados nos últimos anos para desenvolver a frota de apoio marítimo de bandeira brasileira. “Nossa frota ostenta a sexta posição de maior frota de apoio marítimo do mundo. Desconsideradas as bandeiras de conveniência, só ficamos atrás em número de embarcações dos EUA e da China”, salienta.
Estaleiros temem que a dinâmica financeira de novas construções de navios de grande porte seja impactada pelo PLP 68/2024. A avaliação é que, caso não seja mantida a desoneração tributária existente, a nova tributação sobre o consumo passará a ter uma carga de 26,5%. Além disso, os serviços contratados, também parte importante do custo total, terão a tributação majorada, de 9% a 14% — a depender do regime de tributação, para os mesmos 26,5%. O entendimento é que essa carga pode cair sobre todo o material que vier a ser adquirido, incluindo as máquinas, equipamentos, partes e peças.
O Sinaval ressalta que a dinâmica financeira como funciona hoje é típica das aquisições de bens de capital de alto valor agregado. Os navios são bens de capital que possuem um ciclo de produção bastante alongado, inclusive se comparado a outros bens de capital. Embarcações construídas no Brasil, a depender de seu porte, podem ter ciclos de produção que podem atingir até 48 meses.
Por exigirem investimentos vultosos, as embarcações são construídas sob encomenda e o estaleiro não financia as construções com recursos próprios. A empresa de navegação contrata financiamento para a construção e, com estes recursos, realiza adiantamentos ao estaleiro durante todo o ciclo produtivo, de modo que, quando o faturamento da embarcação é realizado, o preço já foi, em grande parte, pago ao estaleiro.
O sindicato alerta para o risco de geração de aumento no custo da embarcação e complexos impactos de fluxo de caixa, os quais representarão um verdadeiro desestímulo à aquisição de embarcações no país. “Embora não se ignore que estes tributos serão recuperáveis no modelo do IVA, estes aumentos nos preços dos fornecedores terão que ser acrescidos à dívida contratada pela empresa de navegação e financiados por todo o período da construção”, informa o Sinaval à Portos e Navios.
Outra consequência importante, na avaliação dos estaleiros, é que esse aumento de custo reduz a competitividade das embarcações brasileiras em relação às produzidas no mercado externo, que conta com polos de indústria naval com fortes subsídios governamentais. O Sinaval acrescenta que a própria sistemática da reforma tributária, por si só, já gera uma ampla desoneração das embarcações importadas.
Os cenários tributários aplicados nas indústrias naval e de petróleo e gás foram discutidos, em outubro, no seminário ‘Reforma Tributária & Reflexos na Economia do Mar’, no IBMEC, no Rio de Janeiro (RJ). O evento, voltado à discussão de melhores práticas para uma aplicação eficiente, contou com a participação de 42 empresas e 23 entes associados do Sinaval e da Associação Brasileira das Empresas da Economia do Mar (Abeemar).
O Sinaval e entidades do setor de navegação entendem que o Registro Especial Brasileiro representa um pilar estratégico na política pública voltada para o fomento e o desenvolvimento da marinha mercante nacional, desempenhando um papel crucial na consolidação de uma infraestrutura marítima robusta e competitiva, garantindo a ampla desoneração fiscal da cadeia de construção, manutenção e reparo de embarcações pré-registradas ou registradas no REB. O dispositivo, instituído pela Lei 9.432/1997, marco regulatório da navegação brasileira, prevê que vigora a desoneração fiscal nas cadeias de construção, reparação e modernização da embarcação inscrita no regime tributário especial.
Para evitar efeitos adversos, o Sinaval propôs a parlamentares algumas alterações no texto do PLP 68/2024, que tramita na Câmara, com objetivo de garantir a manutenção da desoneração da cadeia de produção da construção naval, conforme já ocorre atualmente e com observância dos mandamentos constitucionais introduzidos pela emenda constitucional (EC 132/2023).
Uma das propostas prevê incluir uma nova seção no capítulo que trata dos regimes dos bens de capital, instituindo a suspensão da CBS/IBS sobre a aquisição de embarcações registradas ou pré-registradas no REB, desde que construídas no Brasil. A suspensão seria convertida em alíquota zero quando da incorporação da embarcação à frota do adquirente. A mesma seção garantiria também a possibilidade de aquisição de bens e serviços para a manutenção e reparo das embarcações registradas no REB. Esta garantia encontra paralelo no regime do Reporto, incluído no PLP 68/2024 pelo governo federal, que estende o regime à aquisição de peças de reposição.
Os construtores navais sugerem ainda que seja adicionado à seção dos ‘Regimes de Aperfeiçoamento’ um dispositivo para inclusão da previsão de equiparação à exportação contida na Lei federal 8.402/1992, que trata de incentivos fiscais, garantindo a manutenção do regime aduaneiro especial atípico do ‘Drawback Embarcação’ para CBS/IBS. Outro entendimento é a necessidade de inclusão de um dispositivo para expressamente excepcionar os veículos propulsados pesados aquáticos (embarcações) da regra que admite a importação de bens de capital com desoneração de IBS e CBS. Também está na lista de sugestões do setor a supressão do artigo 481 do PLP 68/2024, considerado incompatível com a política de desenvolvimento da marinha mercante nacional.
Um outro efeito danoso apontado é a chance de aumento do afretamento de embarcações estrangeiras, reduzindo a geração de receitas internas e, em contrapartida, elevando a remessa de recursos. O Sinaval também verifica risco de desestímulo ao desenvolvimento tecnológico, visto que a redução da construção e operação de embarcações contribuirá para redução dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) realizados pelos estaleiros e empresas de navegação.
O Sinaval argumenta que, caso o PLP 68/2024 seja mantido como está, no que se refere ao REB, postos de trabalho serão perdidos e/ou não gerados na ampla cadeia da indústria naval — seja na construção ou reparação naval, seja na operação das embarcações. “Haverá redução da tonelagem da frota brasileira com impacto na participação nacional nos fóruns internacionais que discutem questões como combustíveis alternativos para o setor marítimo”, alerta o sindicato.