Descontinuidade da política, regras de conteúdo local e BR do Mar estão entre as principais críticas do setor naval.
Países asiáticos dominaram o último processo licitatório da Petrobras para a construção de três FPSOs. Esse fato reabriu a discussão sobre as atuais condições da indústria naval que, segundo especialistas no tema, vem sofrendo baixas em decorrência de alguns fatores como: a descontinuidade da política para o setor, as novas regras de conteúdo local e com o Projeto de Lei (4199/20), BR do Mar. De acordo com o consultor da ICMAR Consultoria Industrial, Ivan Fonseca, o país possui dezenas de plataformas em construção e outras dezenas planejadas para os próximos anos, mas que não vem sendo construídas pela indústria local.
Ele afirmou que, há alguns anos, os estaleiros investiram com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), estimulados tanto pelo governo e pela própria Petrobras. O objetivo era se preparar para atender a demanda. Porém, segundo ele, houve a descontinuidade dessa política determinada pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e de mudanças de orientação na estatal. Com isso houve a flexibilização das regras de conteúdo local, inviabilizando a competição com os países asiáticos.
De acordo com Fonseca, as novas regras de conteúdo local diminuíram de tal forma o percentual mínimo que pode agora ser atingido apenas pela prestação de serviços. Ele explicou que não foi feita a separação entre bens e serviços, além de que os contratados optarem por enfrentar eventuais multas e utilizar mecanismos de compensação a comprarem no país. “As consequências aí estão. Estaleiros hibernando, endividados e em recuperação judicial. Dezenas de milhares de desempregados e enorme desperdício de pessoal qualificado”, criticou.
A CEO da Estaleiro Atlântico Sul (EAS), Nicole Terpins, afirmou que existe no país um desestímulo ao conteúdo local e citou o caso dos FPSOs da Petrobras onde nenhum estaleiro brasileiro foi habilitado para construir os cascos. Segundo ela, isso não apenas afeta a indústria naval como toda a cadeia de fornecedores nacionais que poderiam participar como é caso de fornecedores de chapas, consumíveis de solda, entre outros.
Ela afirma que existe uma distorção na afirmação de que a indústria naval no Brasil não é competitiva. Para ela a indústria nacional tem condições de produzir com produtividade compatível ao competidor estrangeiro, embora o custo do produto ainda seja maior em função do Custo Brasil. Este reúne as questões trabalhistas, regulatórias que incidem diretamente sobre a produção nacional. Portanto, ela avalia que reduzir o conteúdo local sem que haja um ajuste na política industrial, visando reduzir o custo da produção, não é o ideal.
Outro aspecto que segundo Nicole pode prejudicar ainda mais a indústria naval é o BR do Mar. Ela ressaltou que o governo já reduziu a carga tributária sobre a importação de navios de cabotagem, e o projeto propõe ainda a abertura do mercado para afretamento sem proteção de bandeira ou lastro em tonelagem. Assim, além de sofrer com a concorrência pela demanda de novas construções, a indústria deverá sofrer com a redução drástica dessa demanda, que será substituída pelo afretamento.
Por outro lado, ela lembrou que aumentando o número de embarcações navegando na costa, é possível que haja um aumento para a procura de reparos. “Essa também é uma demanda importante para o mercado nacional”, pontuou.
De acordo com Fonseca, enquanto países como Estados Unidos e China subsidiam essa indústria, o BR do Mar caminha na contramão, não só liberando a importação de navios como “liquidando” com o Fundo da Marinha Mercante (FMM). Ele também destacou o problema do Custo Brasil que onera os investimentos no país. “As reformas também não andam no Congresso na velocidade desejada para eliminar o desequilíbrio e permitir mais competitividade”, acrescentou.