Construtores navais destacam necessidade de quantidade e previsibilidade de projetos para que setor ganhe competitividade para concorrências. Empresas veem boas oportunidades em projetos de O&G e em segmentos da navegação
Representantes de estaleiros nacionais de grande porte ainda não confirmam participação na licitação da Transpetro para contratação de navios classe Handy, lançada no começo de julho. Quatro dos principais players desse segmento ouvidos pela Portos e Navios afirmam que estudam o edital, o qual consideram um passo importante para a retomada da construção naval no país. Eles se consideram prontos em termos de infraestrutura para construir novas embarcações, mas reconhecem que existem muitas variáveis para alcançar o objetivo, já que trata-se de uma concorrência internacional. Entre os desafios para novas contratações em instalações no Brasil estão a necessidade de uma quantidade maior de encomendas, com uma previsibilidade que possibilite atingir níveis altos de produtividade.
Os estaleiros entendem que, apesar de uma demanda ainda incipiente, houve sinalizações importantes, tanto da Transpetro, prevendo novos editais para renovação de sua frota, quanto da Petrobras, nos bids para contratação de barcos de apoio marítimo, segmento que vem apresentando aquecimento há cerca de dois anos. Além das duas empresas, que seguem como maiores contratantes da indústria, os construtores navais olham para outras oportunidades ligadas ao setor de petróleo e gás, incluindo FPSOs e módulos, como também para outros segmentos da navegação.
O Estaleiro Atlântico Sul (PE) considera a licitação da Transpetro um passo importante, com possibilidade de as empresas nacionais competirem, apesar de se tratar de uma licitação internacional. O EAS também destaca que a Petrobras lançou, anteriormente, um edital para afretamento de 12 embarcações de apoio offshore, que devem ser de bandeira brasileira.
O CEO do EAS, Roberto Brisolla, disse que a licitação aberta pela Transpetro para a construção de quatro embarcações é, possivelmente, a notícia de maior repercussão no segmento. Brisolla, porém, chamou a atenção que retomar e manter a indústria naval depende de uma demanda constante com maior previsibilidade, que viabilize atrair investimentos de longo prazo e que possibilite a consolidação de uma indústria nacional competitiva, com índice de produtividade internacional.
O Estaleiro Mauá (RJ) também demonstra otimismo com a abertura da primeira licitação pela Transpetro, para a qual enxerga um potencial novo ciclo de encomendas para estaleiros no Brasil. “Nossa expectativa é que o processo efetivamente ocorra dentro do país e esperamos que um estaleiro brasileiro seja selecionado para executar o projeto. Estamos prontos para contribuir com nossa expertise e capacidade técnica para atender às necessidades desse importante processo para o setor naval nacional”, disse o diretor comercial do Mauá, Arialdo Félix.
Para a Ecovix, as encomendas já postas ainda estão muito aquém da capacidade dos estaleiros brasileiros. A avaliação da empresa, proprietária do Estaleiro Rio Grande (ERG), é que Petrobras e Transpetro continuam sendo as maiores contratantes, mas a demanda pode ser maior. O diretor operacional da Ecovix, Ricardo Ávila, acredita que, pelo discurso da Transpetro, os segmentos de embarcações com mais potencial para uma eventual retomada da construção de projetos navais no Brasil serão os navios utilizados para o aumento da frota da companhia.
“Não está claro ainda qual o tipo, mas o mercado comenta sobre uma série de navios gaseiros”, comentou. O diretor operacional contou que a Ecovix ainda estuda o edital e respectivos documentos da licitação da Transpetro. “Há muitas variáveis que precisamos avaliar para definir a estratégia mais competitiva, já que é uma concorrência internacional”, pontuou Ávila.
Ele afirmou que o ERG está pronto para novas obras e encomendas. Ávila entende que, com relação à construção de cascos, o atingimento dos índices de produtividade que o estaleiro tinha em 2016 será difícil de ser alcançado nos próximos dois anos. A avaliação é que é preciso retreinar a mão de obra experiente que o estaleiro conseguir captar no mercado e treinar novos profissionais, o que leva tempo. “Isso afeta diretamente a competitividade dos primeiros projetos, mas é algo que teremos que enfrentar. Do ponto de vista da infraestrutura, o estaleiro está pronto. Caso o projeto seja de construção/integração de módulos, há mão de obra treinada e disponível na região”, analisou.
Félix, do Estaleiro Mauá, reconhece que a interrupção de encomendas nos últimos anos representa a perda de experiência e transmissão de conhecimento para geração mais nova. Ele ressaltou que muitos profissionais se aposentaram, mas que o Mauá conseguiu, apesar de toda dificuldade, manter o mínimo necessário desta mão de obra qualificada. “Temos a estrutura fabril necessária para o que temos construído com os nossos clientes. O mais importante é certificar de maneira realista as ações no sentido de prestigiar a indústria nacional. A geração de inúmeros empregos estáveis é o mais importante”, afirmou.
Na avaliação do Mauá, os segmentos com maior potencial para uma eventual retomada da construção de projetos navais de maior porte no Brasil incluem a construção de PSVs (transporte de suprimentos), navios e FPSOs/módulos. O estaleiro enxerga que esses segmentos representam diversas oportunidades dentro da indústria naval, cada um contribuindo de maneira única para o desenvolvimento e crescimento econômico do país.
O Estaleiro Enseada (BA) também tem sentido um reaquecimento das demandas relacionadas a esse mercado, mas que ainda não foram convertidas em novas contratações. “O Enseada está pronto para retomar suas atividades. Embora não se possa ignorar os efeitos negativos causados pelo longo período de baixa demanda, que afetou a maior parte dos estaleiros brasileiros, temos convicção de que esta retomada, se executada de forma planejada, será sustentável e bem-sucedida”, analisou o CEO do Enseada, Ricardo Ricardi.
Ricardi acrescentou que o Enseada segue avaliando todas as oportunidades do mercado, mas que ainda não definiu se participará do processo recém-lançado da licitação da Transpetro. Na visão do Enseada, o Brasil tem uma grande variedade de estaleiros, de tamanhos e características diferentes, que têm potencial para atender às mais diversas demandas, desde embarcações de menor porte e complexidade até módulos de FPSOs.
Brisolla, do EAS, revela que o estaleiro recebeu consultas de afretadores para construção de módulos de plataformas e embarcações de apoio originadas pela Petrobras, e também de empresas privadas para construção de comboios articulados para transporte de contêineres (ATBs). Ele observa que os planos de exploração e produção da Petrobras demandam novos FPSOs, módulos e navios de apoio que apresentam alto valor agregado.
A avaliação do EAS é que o transporte de derivados na cabotagem também tem uma grande demanda, hoje atendido por afretamento de embarcações estrangeiras, que tende a crescer e pode vir a gerar oportunidades para estaleiros brasileiros. O CEO do EAS acrescentou que o emprego de comboios articulados no segmento de cabotagem também pode abrir uma nova frente, inclusive para estaleiros de médio porte. “São movimentos promissores, mas que requerem suporte no tocante a financiamento e garantias e uma solução para o endividamento ainda elevado dos estaleiros de grande porte, após a crise do setor”, analisaou Brisolla.
Edital Transpetro
No começo de julho, a Transpetro anunciou o primeiro edital do programa de renovação e ampliação e renovação da frota da companhia (TP25), que prevê a construção de 25 navios no longo prazo. O primeiro certame tem como objetivo a aquisição de quatro navios de transporte de produtos claros de 15 mil TPB a 18 mil TPB (toneladas de porte bruto), classe Handy, para operações de cabotagem no litoral brasileiro. A abertura das propostas está prevista para o próximo dia 7 de outubro.
Na ocasião, o Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) destacou, por meio de nota, que a indústria está pronta para operar e que os estaleiros contam com um parque instalado de nível mundial, com investimentos de modernização e construção recentes de novas plantas, além de recursos aplicados em gestão, governança e integridade.
No lançamento do edital, o presidente da Transpetro informou que, ao todo, serão quatro editais para construção de navios no Brasil, sendo que 16 navios já estão no plano estratégico da Petrobras (2024-2028), e que existe intenção de aprovar outros nove para o PE 2025-2029 da companhia. A diretoria da Transpetro considera que todos os estaleiros nacionais de grande porte estão aptos, desde que comprovem capacidade econômica e técnica. Caso contrário, o concorrente poderá ser desclassificado, conforme preveem as regras da licitação.
“Acredito que os estaleiros nacionais vão responder à nossa demanda porque estão, há muitos anos, sem ter encomendas e que teremos proposta não só de estaleiros nacionais como de internacionais porque, há muito tempo, não se tinha demanda”, comentou o presidente da Transpetro, Sérgio Bacci, durante coletiva de imprensa sobre o detalhamento do novo programa, na sede da empresa, no Rio de Janeiro (RJ).
O presidente da Transpetro ressaltou que a licitação seguiu integralmente as regras de governança e integridade do sistema Petrobras e que todos os estudos demonstram a economicidade favorável à aquisição dos novos navios frente ao afretamento de embarcações. No evento, Bacci enfatizou que a legislação não proíbe que estaleiros em recuperação judicial participem desses projetos, desde que comprovem a capacidade técnica e econômica. “Todos os estaleiros que cumprirem os requisitos técnicos e econômicos da concorrência estão aptos para construir os navios que serão adquiridos”, reforçou Bacci.