A exigência de conteúdo local não pode ser responsabilizada pela alegação falaciosa que o preço do FPSO é 40% mais caro
As mudanças na política de conteúdo local brasileira vem sendo alvo de acirrada disputa, polarizando posicionamentos divergentes entre o setor de produção de petróleo e gás e a indústria fornecedora de bens e serviços dessa cadeia, entre elas a indústria da construção naval e offshore.
O Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) foi pioneiro na abertura da discussão do tema, quando, ainda em 2014, apresentou, em conjunto com a Federação das Indústrias do Estado da Bahia, uma proposta de aperfeiçoamento da política, face a notória complexidade e até mesmo ao distanciamento da realidade prática em muitos dos dispositivos da regulamentação. Mais recentemente, as discussões ganharam corpo com a aglutinação de 14 instituições, que formaram o movimento Produz Brasil. A proposta defendida é no sentido de simplificar a política, através da definição de cinco índices de conteúdo local por macro segmentos, com percentuais realistas: Engenharia, Infraestrutura, Serviços, Máquinas e Equipamentos e Sistemas.
Por outro lado, a Petrobras tem categoricamente afirmado sobre uma suposta incapacidade da indústria brasileira em realizar entregas dentro dos prazos estabelecidos e que os preços praticados no país não são competitivos. A afirmação desconsidera muitas experiências bem-sucedidas, que permitiram, inclusive, sucessivas quebras de recordes de produção no pré-sal, todas realizadas com alto índice de conteúdo local, executadas com clientes que contratam de forma adequada, avaliando corretamente os riscos e a experiência pregressa de seus contratados, não promovem sucessivas modificações nos projetos, tampouco realizam interferências sistemáticas nos processos de supervisão.
Em recente artigo publicado, o presidente da Petrobras afirmou que “a política precisa incentivar a inovação, as parcerias, a produção com qualidade, custos e prazos adequados”. A afirmação pode ser classificada como um exercício de retórica, pois o que se vê na prática é um sistemático processo de desmanche da política e, consequentemente, de enfraquecimento da indústria nacional e do empobrecimento do trabalhador brasileiro.
Recente liminar concedida pela Justiça Federal ao Sinaval suspendeu a licitação do FPSO de Libra até que a ANP decida sobre o pedido de waiver. O juiz entendeu que a incerteza sobre a decisão da ANP quanto ao waiver justifica a suspensão da licitação dado o “perigo de dano e o risco ao resultado útil do processo”. Não é possível sugerir que a ação gera prejuízos à Petrobras. Se há atraso o único responsável é a Petrobras, que pretende contratar sem observar normas vigentes, em prejuízo de empresas e trabalhadores brasileiros.
Ainda no caso de Libra, a exigência de conteúdo local não pode ser responsabilizada pela alegação falaciosa que o preço do FPSO é 40% mais caro. Na verdade, pelas características do reservatório de Libra, o FPSO tem que ser muito maior por conta do processamento do gás, além de requerer sistemas muito mais complexos de separação de CO². Por tudo isto e, considerando ainda que nenhuma empresa brasileira foi consultada para este certame, é absolutamente impróprio atribuir-se ao Conteúdo Local, o preço ofertado.
É também falaciosa a argumentação de que a condição exclusiva para o sucesso da 14ª rodada seria a eliminação da política de conteúdo local. O sucesso do leilão está, principalmente, relacionado com o potencial geológico das reservas, a qualidade do ambiente institucional e a estabilidade do ambiente regulatório, dos impostos, da celeridade na emissão das licenças ambientais, do respeito aos contratos, da constância de regras, do custo Brasil e da exigência do conteúdo local. O Governo tem inúmeros instrumentos de política tributária e de estabelecimento de novas regras de recuperação do investimento dos operadores na fase de exploração que teriam impacto verdadeiramente significativos.
No mês passado, o ministro-chefe da Casa Civil afirmou que o governo estava analisando a posição a ser tomada na revisão da política de conteúdo local do setor de petróleo e gás. Disse ele: “É um tema que está amadurecendo dentro do governo para termos uma posição. Não como era, mas também não dá para romper de uma vez por todas com tudo aquilo que se tem, porque muitos empresários construíram seus negócios e suas empresas considerando aquela proposta que lá estava”, afirmou o ministro. O Sinaval entende que essa sim é uma posição de equilíbrio, pois não se pode descartar o gigantesco esforço de investimento e de absorção de tecnologia de ponta feito pela indústria nos últimos anos.
A atual posição da Petrobras significa a negação de sua própria história, afinal, nenhum exemplo de política de conteúdo local bem-sucedido pode ser melhor que a própria Petrobras, que começou importando mão de obra, equipamentos e engenharia, mas que hoje se tornou uma empresa pioneira, detentora de tecnologia de ponta e referência mundial na exploração de petróleo em águas profundas.
Ariovaldo Rocha é presidente do Sinaval