Edital A falta de encomendas gerou desmobilização da indústria e dificuldades financeiras para os estaleiros, que precisaram de um tempo para se reestruturar e reagir. Fornecedores partiram para outros segmentos, assim como trabalhadores, engenheiros e demais profissionais que mudaram de ramo ou foram atuar em outros setores. A crise da última década também limitou as oportunidades para empresas de projetos. Com o lançamento de editais, existe a possibilidade de um novo começo, com necessidade de estímulos em busca de eficiência e competitividade.
O professor de Engenharia Oceânica da Coppe/UFRJ, Floriano Pires, defende que o Brasil não pode se contentar com ‘voos de galinha’ cada vez mais curtos na construção naval. Ele avalia que a última interrupção de ciclo resultou em perdas de parcerias, treinamentos e transferência de tecnologia com outros países, entre outros avanços, que começavam a ser esboçados.
Pires lembra que, entre 2010 e 2012, ainda havia um entusiasmo com encomendas que seriam de longo prazo, mas que não se concretizaram devido a fatores como a crise do setor e às oscilações no mercado internacional de petróleo e gás. O professor também observa a falta de previsibilidade diante das mudanças constantes do posicionamento da Petrobras quanto à construção naval, a depender do governo e das trocas de comando em sua diretoria.
Ele considera que, apesar da dificuldade de competir com países como China e Coreia, existem nichos que seriam excelentes para a escala brasileira, o que passa pela estruturação de políticas sólidas. “A viabilidade de construir navios aqui depende primeiro de termos política de cabotagem, que é relevante nos setores de O&G, onde temos demanda grande capaz de alavancar o processo de criação e desenvolvimento de uma indústria forte”, analisa.
Pires acrescenta que, no período de discussão sobre a cabotagem (programa BR do Mar), houve uma discussão puxada pelo setor de contêiner, que não tem tanta relevância para a indústria naval, pela estrutura ligada a armadores de longo curso estrangeiros, além de não contar com uma escala com alcance de um padrão competitivo. Ele avalia que a indústria naval brasileira tem potencial importante para o processo de reindustrialização do país.
O professor entende que a indústria naval no Brasil vai depender de uma política de marinha mercante forte que Transpetro, abrace a navegação de cabotagem e de apoio marítimo. Ele considera que, nos últimos anos, foi criada uma ‘antipolítica’ que prejudicou tanto a marinha mercante quanto a construção naval. Pires enxerga uma janela estreita, com as encomendas da Petrobras e da Transpetro, que vai precisar de uma boa performance do setor para vencer o descrédito existente na sociedade quanto à atividade.
Em programas como o Programa de Modernização e Expansão da Frota da Transpetro (Promef), nas duas últimas décadas, e os planos de construção naval (PCN), anteriormente, houve falta de mecanismos de estímulo e requisitos de eficiência para contratação e financiamento, com a exigência de níveis de desempenho e de cobrança. Outro problema diagnosticado no ciclo mais recente está na questão tecnológica e na qualificação de recursos humanos.
Pires considera essa indústria com um potencial de demanda e com barreiras tecnológicas menores do que enfrentam, por exemplo, as indústrias automobilísticas ou de eletroeletrônicos. Para ele, faltam barreiras protetivas, ao passo que existem condições favoráveis de financiamento, por meio do Fundo da Marinha Mercante (FMM). “Temos mais pré-condições de voltar a produzir na indústria naval do que sermos competitivos em outros setores”, defende o professor da Coppe/UFRJ.
O Brasil conta com estaleiros com infraestrutura para construir navios em escala econômica qualidade e com bom tempo de produção, se houver demanda e estabilidade. O país, no entanto, não conseguirá se desenvolver flexibilizando e eliminando barreiras e mecanismos de proteção. Pires vê caminhos para reverter a ‘antipolítica de cabotagem’ modernizando a Lei 9.432/1997, recuperando e aperfeiçoando mecanismos, direcionando o FMM para projetos estratégicos, em vez de subsidiar a operação de navios.
Para alcançar esse resultado, é necessário investir e apostar em políticas inteligentes de conteúdo local voltadas para alavancar o desenvolvimento industrial e tecnológico, além de estimular a formação de engenheiros e profissionais, com integração da indústria a universidades e centros de pesquisa. E, para os estaleiros serem competitivos, Pires aponta a necessidade fugir dos extremos, tanto dos totalmente céticos quanto à volta da indústria naval, quanto dos mais ufanistas que acreditam que é possível fazer isso sem parcerias estratégicas.
Na avaliação de Pires, a construção de navios precisa ainda estar associada a um programa nacional de reindustrialização e à revisão da atual legislação para o FMM e para a regulação da bandeira brasileira na cabotagem. Ele sugere a criação de uma política de ciência e tecnologia e formação de recursos humanos articulada promovendo transferência de tecnologia para projetos e produção.
O professor nota que a Engenharia Naval não parou neste e em outros períodos de baixa e que muitos engenheiros navais formados no Brasil vêm tendo oportunidades em empresas de petróleo e de energia, inclusive no exterior, onde existem oportunidades para profissionais com boa formação no Brasil. Além da hibernação de empresas nacionais, Pires identifica que muitas empresas estrangeiras de projetos que montaram equipes no Brasil diminuíram seus efetivos ou foram embora do país, quando o ciclo começou a se fechar.
O sócio-diretor da Interocean Engenharia, Paulo Lemgruber, avalia que os serviços de engenharia de projeto e construção naval dependem diretamente das demandas das companhias privadas nacionais. Lemgruber diz que praticamente não existem mais oportunidades locais de projetos e serviços, pois a maioria é contratada no exterior, por diferentes segmentos. Ele observa que o mercado de navegação interior segue construindo, porém com cópias de projetos do exterior.
Para o engenheiro, as expectativas para construção no Brasil dos novos navios da Transpetro esbarram no edital, que admite a possibilidade de construção das embarcações em estaleiros no exterior. Ele verifica que, mesmo no caso de uma retomada consistente da construção naval no país, haverá uma dificuldade de recuperar o segmento de projetos, devido à falta de sinergia de recursos humanos qualificados com os que forem demandados.
Lemgruber acredita que a indústria nacional tem condições de construir todo tipo de projeto, com exceção do segmento de navios gaseiros refrigerados (GNL). Ele lamenta o Brasil não contar com um instrumento legal semelhante ao Jones Act (1920), dos Estados Unidos, que protege a indústria norte-americana da entrada de embarcações construídas no exterior.
A leitura é que existem diferentes atitudes políticas de proteção para a indústria automobilística, por exemplo, ao passo que a indústria naval permanece sem proteção, o que prejudica a concorrência com as alternativas do exterior que não possuem os mesmos altos impostos e encargos trabalhistas desse setor no Brasil.
O engenheiro faz uma comparação com a indústria de veículos elétricos que, em alguns países, adotou a taxação dos modelos importados da China, como forma de garantir a competitividade do mercado local. Da mesma forma, ele ilustra que nunca foi permitido importar caminhões para serem tripulados, por exemplo, com motoristas filipinos.
Lemgruber considera que ainda existe qualificação brasileira para projetar e construir até grandes embarcações, assim como vivenciado em estaleiros tradicionais que conseguiram concluir em ciclos anteriores da atividade no país.
“Seguidas ações políticas, porém, destruíram nossa capacidade industrial onde os maiores desafios estão nos trabalhadores que perderam seus empregos, abandonaram as atividades e assim não transmitiram seus conhecimentos”, analisa.
Durante os últimos 10 anos de queda na carteira de encomendas dos grandes estaleiros no Brasil, as maiores oportunidades para a indústria se concentraram na construção de rebocadores portuários e offshore, que continuou relativamente aquecida durante esse período. O projeto de preferência para o mercado de rebocadores é da projetista canadense Robert Allan. Houve algumas exceções como os navios Wellboat (pesqueiros) construídos no Estaleiro Detroit (SC), os salineiros no estaleiro São Miguel (RJ), e o navio polar (NapAnt) sendo construído no Estaleiro Jurong Aracruz (Seatrium), no Espírito Santo.
Houve também uma baixa mundial na demanda de construção de embarcações de apoio durante esse período de 10 a 12 anos. A Ulstein, que tem estaleiro Ulsteinvik na Noruega, precisou se adaptar à nova realidade diversificando o portfólio de projetos que antes era mais focado em Energia (barcos de apoio e subsea) para outros segmentos como o mercado eólico offshore, cruzeiro/expedições, pesqueiros e megaiates.
“Infelizmente, o Brasil ainda não demanda esses tipos de projetos, pelo menos em larga escala hoje. Dessas alternativas, acredito que, no médio e longo prazo, existam oportunidades para o mercado eólico offshore”, analisa o gerente de vendas e desenvolvimento de novos negócios da Macnor Marine, Pedro Guimarães. A Macnor é representante exclusiva da Ulstein Design desde 2004, já tendo fornecido o projeto para construção de 13 navios Ulstein Design, sendo 11 PSVs (transporte de suprimentos) e dois OSRVs (combate a derramamento de óleo) para CBO e Siem Offshore (atual Sea1).
O momento agora, porém, é mais animador. “Estamos bastante motivados com as demandas que não só a Transpetro, mas também a Petrobras, tem lançado ao mercado para construção de PSVs, RSVs (embarcações equipadas com robôs) e OSRVs. Temos acompanhado de perto, participando de reuniões semanais com estaleiros e armadores interessados em construir no Brasil”, conta Guimarães.
A avaliação é que uma parte da frota brasileira de barcos de apoio já começa a atingir certa idade e a quantidade de embarcações é insuficiente para a demanda, visto o crescimento da produção e a chegada de novas FPSOs, o que representa um grande potencial de construção de novas unidades, como PSVs, RSVs e AHTS (manuseio de âncoras).
Guimarães diz que a Macnor acredita em uma retomada e ressalta que os projetistas dependem de novos projetos e de novas construções. “Já vimos isso no passado e foi possível. É uma indústria cíclica e acredito na capacidade do brasileiro de se reinventar em momentos como esse”, analisa Guimarães.
No caso das obras de maior porte, Guimarães pondera que existem alguns desafios como buscar estaleiros prontos para construir hoje, já que alguns mudaram de segmento para reparo, alguns foram desativados e outros ‘hibernados’, o que exigirá investimentos para reativação. Guimarães entende que outros desafios estarão em pauta, como o baixo custo para se construir na China comparado ao Brasil e o período contratual estipulado pelas Oil Companies (payback).
O Estaleiro Rio Maguari (PA) se considera apto a construir, principalmente, barcaças fluviais e oceânicas, empurradores e rebocadores portuários e oceânicos. Em 2023 e 2024, o ERM entregou cerca de 100 barcaças fluviais e oceânicas, entre graneleiras e balsas para combustível, sete rebocadores portuários e dois empurradores fluviais, além de terminais flutuantes. “Nossos principais projetos se concentram na construção de balsas graneleiras e mineraleiras, além de rebocadores portuários, empurradores fluviais e oceânicos”, elenca o diretor comercial, Fábio Vasconcellos.
Vasconcellos diz que o ERM vem constantemente realizando investimentos na formação de mão de obra e na melhoria da infraestrutura de produção, visando aumento contínuo da produtividade. Ele considera a questão da mão de obra crítica, não apenas na construção naval, mas em vários setores da indústria e serviços. Segundo Vasconcellos, mais especificamente para compor a tripulação de comboios fluviais, apoio portuário e marítimo, para o que se faz necessária uma ampla mobilização nacional na formação destes profissionais, com envolvimento da Marinha e parcerias com universidades e centros de formação de oficiais de marinha mercante e marinheiros.
O diretor comercial do ERM verifica um grande potencial em todas as modalidades de navegação, começando pela cabotagem com os novos projetos do sistema Petrobras e também de empresas privadas, na navegação interior, especialmente na região norte com o crescimento das exportações de grãos pelos portos do Arco Norte, no apoio marítimo com o desenvolvimento da Margem Equatorial e no apoio portuário, com o rápido crescimento que o setor vem mostrando nos últimos anos.
Na avaliação do estaleiro, o principal desafio de curto prazo se concentra na Reforma Tributária. Para Vasconcellos, o texto aprovado pela Câmara dos Deputados é ‘nefasto’ para a construção naval e para a navegação nacional, inviabilizando totalmente os projetos em andamento, inclusive da Petrobras e Transpetro, porque a oneração do setor e a abertura às importações, acaba totalmente com a indústria naval nacional.
Vasconcellos salienta que, além dos grandes estaleiros que aguardam as encomendas do sistema Petrobras, o Brasil possui um parque industrial com estaleiros de médio porte, localizados em, pelo menos, nove estados: Amazonas, Pará, Maranhão, Ceará, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Ele destaca que esse grupo constrói embarcações fluviais, rebocadores, embarcações de apoio marítimo e gera milhares de empregos diretos e indiretos que serão diretamente atingidos pela reforma tributária, caso ela seja aprovada da forma que saiu da Câmara.
“É necessária uma mobilização junto ao Senado e ao governo para sensibilizá-los sobre o quanto o setor será afetado, para que sejam realizadas as alterações necessárias para que os setores da construção naval e da navegação nacional não sejam sucateados”, defende Vasconcellos, que também é vice-presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval).
Vasconcellos acrescenta que existem desafios de infraestrutura com projetos fundamentais e que impactam diretamente na construção de embarcações. Dentre elas, o diretor do ERM cita a liberação da exploração de petróleo na Margem Equatorial, inclusive na região do Pará e do Amapá, além do derrocamento do pedral do Lourenço, no sul do Pará, e da implantação da ferrovia Ferrogrão, que se arrastam há muitos anos.
O diretor comercial do ERM, também considera que a descarbonização é um processo que já está em curso. Ele percebe que os projetos em andamento já preveem o desenvolvimento de sistemas de propulsão que utilizam combustíveis alternativos e menos poluentes. “Penso que, num futuro bem próximo, haverá um incremento na instalação destes equipamentos no Brasil, replicando o que já se encontra em implantação em outros países”, projeta Vasconcellos.
O Estaleiro Atlântico Sul (EAS) considera que a licitação aberta pela Transpetro para a construção de quatro embarcações é, possivelmente, a notícia de maior repercussão no segmento. O EAS também destaca que a Petrobras lançou, anteriormente, um edital para afretamento de 12 navios de apoio offshore que devem ter bandeira brasileira. O CEO do EAS, Roberto Brisolla, revela que o estaleiro recebeu consultas de afretadores para construção de módulos de plataformas e embarcações de apoio originadas pela Petrobras, e também de empresas privadas para construção de comboios articulados para transporte de contêineres (ATBs).
Ele observa que os planos de exploração e produção da Petrobras demandam novos FPSOs, módulos e navios de apoio que apresentam alto valor agregado. Segundo Brisolla, a cabotagem tem crescido de forma constante na última década, superando até mesmo o impacto da pandemia. A avaliação do EAS é que o transporte de derivados na cabotagem também tem uma grande demanda, hoje atendido por afretamento de embarcações estrangeiras, que tende a crescer e pode vir a gerar oportunidades para estaleiros brasileiros.
O CEO do EAS acrescenta que o emprego de comboios articulados no segmento de cabotagem também pode abrir uma nova frente, inclusive para estaleiros de médio porte. “São movimentos promissores, mas que requerem suporte no tocante a financiamento e garantias e uma solução para o endividamento ainda elevado dos estaleiros de grande porte, após a crise do setor”, analisa Brisolla.
Brisolla ressalta que o EAS buscou adaptar-se ao momento de retração na indústria naval, lançando-se com sucesso no segmento de reparos navais e na fabricação de estruturas metálicas para a indústria de petróleo e gás. Na visão do estaleiro, parte desse resultado deve-se à preservação e requalificação da mão de obra formada durante os anos de construção. “Sem dúvida, será necessário um conjunto de ações que incluam, entre outras, formação de uma nova geração de profissionais, atualização de processos fabris, e desenvolvimento de cluster de fornecedores”, afirma Brisolla.
O EAS considera a licitação da Transpetro um passo importante, com possibilidade das empresas nacionais competirem, apesar de se tratar de uma licitação internacional. Brisolla, porém, chamou a atenção que retomar e manter a indústria naval depende de uma demanda constante com maior previsibilidade, que viabilize atrair investimentos de longo prazo e possibilite a consolidação de uma indústria nacional competitiva, com índice de produtividade internacional.
Entre as atividades recentes, o CEO do EAS destaca os reparos feitos em mais de 60 embarcações nos últimos três anos e anos. Em 2023, o estaleiro registrou um crescimento de 70% no faturamento, atendendo a 21 embarcações, com destaque para reparos complexos e especializados e captação de novos clientes. O EAS também realizou dois contratos de construção de grandes estruturas metálicas destinadas a operações offshore, gerando um pico de 1.500 empregos diretos. As atividades dos últimos anos permitiram a manutenção dos ativos e qualificação de profissionais para a construção naval.
“O EAS se consolidou no segmento de reparos navais, ampliando sua gama de clientes, incluindo armadores internacionais e embarcações de apoio offshore — PLSV e plataformas tipo flotel. Também atendemos demandas para fabricação de estruturas metálicas para a indústria offshore. Seguimos atentos a novas oportunidades para ampliar nosso portfólio de serviços e clientes”, afirma Brisolla.
A administração do estaleiro também percebe que a busca de eficiência energética traz consigo uma demanda de novos projetos de engenharia, com maior eficiência e uso de combustíveis renováveis. Na visão do EAS, essa tendência afeta desde as linhas do casco da embarcação até os equipamentos instalados a bordo e sistemas de navegação, monitoramento e controle. Outra percepção é que projetistas e fornecedores estão diretamente envolvidos com estas mudanças. “Existe também a oportunidade para instalação e substituição de equipamentos em embarcações existentes (retrofits), o que poderá trazer demandas aos estaleiros”, analisa Brisolla.
A ArcelorMittal verifica que, nas duas últimas décadas, o desempenho da indústria naval no Brasil está diretamente ligado à exploração do pré-sal, que demanda uma grande diversidade de serviços de manutenção e reparo de navios e plataformas. Apesar deste incentivo, a indústria naval brasileira ainda enfrenta desafios, como a competição global e o setor precisa investir em tecnologia e inovação para aumentar sua competitividade.
Com o programa de ampliação e renovação de frota, anunciado pela Transpetro, existe expectativa de que a indústria naval também volte a crescer e, consequentemente, a demanda por serviços e materiais. “A indústria siderúrgica tem papel fundamental neste cenário, sendo responsável por um dos principais insumos utilizados na construção naval, seja para navios, plataformas ou estruturas”, comenta o gerente de vendas de infraestrutura ArcelorMittal, Alexandre Gama.
A ArcelorMittal atende ao segmento da construção naval com produtos e soluções siderúrgicas específicas para o setor, desde bobinas, chapas e tubos especiais, que são transformados e aplicados em diversas estruturas. “Com a heterogeneidade do portfólio e a maior capacidade produtiva de aços do Brasil, a ArcelorMittal está pronta para atender o crescimento da demanda do setor naval brasileiro”, destaca Gama. A empresa também dispõe de uma equipe de pesquisadores para o desenvolvimento de novos aços para atender as demandas e desafios da exploração petrolífera.
Gama afirma que um dos compromissos da ArcelorMittal é disponibilizar para o mercado brasileiro produtos e serviços de qualidade e com condições comerciais aderentes às boas práticas comerciais, gerando valor para toda a cadeia de negócios. Ele diz que, apesar dos desafios tributários e dos cenários internacionais e nacionais desafiadores, a empresa trabalha para se manter competitiva. Segundo o gerente, essa premissa não é diferente para o segmento naval. A empresa considera que um dos maiores desafios é a garantia de qualidade dos produtos que são comercializados no mercado brasileiro.
O gerente de vendas diz que a cadeia e o mercado naval são amplos e que a maior parte dos relacionamentos da ArcelorMittal é com os estaleiros e com empresas que atendem o segmento. Algumas aplicações precisam de algum beneficiamento para chegar ao produto final que será utilizado, desde chapas para próprias embarcações e tanques de armazenagem, que também devem ter um aumento significativo, perfis para estruturas de plataformas, tubos para sondas e extração. Este atendimento, segundo Gama, pode ser direto ou indiretamente através de clientes que beneficiam o aço.
O aço é praticamente indispensável em uma variedade de indústrias. Desde a construção civil até a fabricação de utensílios domésticos, veículos, máquinas e equipamentos, o aço desempenha um papel essencial, garantindo qualidade e segurança em diversos processos. Na visão da ArcelorMittal, isso acontece pela versatilidade que o material oferece não apenas para a indústria, mas para a sociedade como um todo.
Além disso, o aço é considerado um elemento-chave para a transição para uma economia circular e carbono neutra, servindo como parte integrante da revolução das energias renováveis que vão suprir a necessidade mundial, como um material essencial na transição para veículos elétricos, apoiará a próxima geração de edifícios de alto desempenho e facilitará o desenvolvimento de infraestrutura de mercados emergentes.
“A ArcelorMittal possui uma responsabilidade significativa de inovar, implementar e de navegar por um caminho bem-sucedido em direção a uma indústria de aço mais limpa, tendo como meta alcançar a meta de carbono neutro em 2050 e reduzir a intensidade de emissões em 25% até 2030”, destaca Gama.
Entre as iniciativas de descarbonização em andamento, a ArcelorMittal lançou uma marca que agrupa todas as atividades de fabricação de aço de com baixa emissão de CO2 da ArcelorMittal, bem como iniciativas mais amplas e projetos de inovação verdes. O programa XCarb® visa alavancar um esforço único focado em alcançar progresso demonstrável em direção à neutralidade da produção de aço e a apoiar clientes a alcançar seus objetivos rumo à descarbonização de sua cadeia, além de suportar a economia de baixo carbono.
A ArcelorMittal possui unidade no Espírito Santo e que está localizada estrategicamente junto ao mar e a uma complexa infraestrutura de transportes. A planta industrial da ArcelorMittal Tubarão está integrada a diferentes modais de transporte, com logística focada em racionalizar recursos e atender às demandas de diferentes segmentos, com abrangência de modais, custos competitivos e qualidade. Além dos modais rodoviário e ferroviário, a empresa utiliza o modal marítimo (porto e barcaças) para embarque de produtos siderúrgicos para exportação e entrega em outros portos brasileiros (cabotagem). Por meio da cabotagem são enviadas bobinas para a unidade de Vega (SC).
A companhia é uma das líderes em reciclagem de sucata metálica e de resíduos provenientes dos processos industriais. Atualmente, o grupo reprocessa em todo o mundo 30 milhões de toneladas de aço ao ano. No Brasil, são cerca de 3 milhões de toneladas de sucata recicladas por ano. Nos últimos três anos, a ArcelorMittal comprou cerca de 8 milhões de toneladas de sucata, volume que deixou de ir para aterros do país e virou produto.
Gama afirma que, dessa forma, ArcelorMittal teria interesse em consumir o aço proveniente do desmantelamento ou reciclagem de plataformas. A sucata é gerada por meio de resíduos industriais ou de produtos que perdem sua utilidade, como geladeiras, fogões, bicicletas, entre outros. Segundo o gerente, uma das características mais positivas do aço é sua infinita reciclabilidade: quando acaba a vida útil de um produto feito em aço, o material pode retornar aos fornos como sucata sem perda de qualidade.
Além disso, a reciclagem exige menos energia e emite menos carbono do que a transformação de matérias-primas virgens. “Como impacto positivo, a reciclagem reduz a pressão sobre recursos naturais virgens, diminui o acúmulo de lixo e a formação de aterros, protege o solo, a água e o ar, diminui a pegada energética e de carbono da indústria e, indiretamente, garante a manutenção das áreas florestadas, da biodiversidade, dos mananciais e da qualidade de vida”, detalha Gama.
O professor Floriano Pires, da Coppe/UFRJ, diz que, por conta da possibilidade de uma reativação nos próximos anos, foram feitas análises comparativas extremamente negativas, as quais considera obsoletas na discussão contemporânea, apesar dos problemas de corrupção e de eficiência, que se somaram às dificuldades de competitividade que já são conhecidas.
Pires identifica no mercado brasileiro um grande potencial para navios aliviadores, embora seja um grande desafio tecnicamente, pois trata-se de um nicho com escala para atrair novamente parcerias internacionais e desenvolver processo gradual de contratação, assim como aconteceu com unidades estacionárias e FPSOs que o Brasil é capaz de construir, quando o ambiente é favorável. Hoje, os navios desse tipo que operam na costa brasileira são afretados.
O professor considera perfeitamente possível que o Brasil retome essa indústria, seguindo como primeira premissa que o país precisa urgentemente de reindustrialização. Nesse sentido, a indústria naval surge entre os setores industriais que o Brasil tem condição de desenvolver. A avaliação é que, se o Brasil não passar por um processo agressivo nesse sentido, estimulado por políticas públicas, vai continuar sendo um exportador de commodities.