Diretor avalia que indústria local está pronta para retomada, mas precisará perseguir qualificação e fortalecimento da cadeia de suprimentos.
O diretor de engenharia, tecnologia e inovação da Petrobras, Carlos Travassos, disse, nesta segunda-feira (23), que identifica um grande potencial na indústria naval, porém considera como desafio atual encontrar um equilíbrio entre a capacidade da indústria com a necessidade da Petrobras. Travassos avalia que a indústria naval está pronta para uma retomada, porém necessita eliminar gargalos e fortalecer sua cadeia de valor para sobreviver. O diretor disse que a companhia está atenta e envolvida no grupo de trabalho que discute a construção naval, por meio de mapeamento e conversas com estaleiros e demais atores.
“Estamos diante de uma ótima oportunidade, mas a palavra da vez é equilíbrio. Precisamos entender a indústria”, acrescentou Travassos durante o evento ‘Diálogo RJ Economia do Mar’, promovido pelo jornal O Globo, no Rio de Janeiro. Ele acredita que o país deve desenvolver essa cadeia de suprimento naturalmente, conforme as principais vocações.
Travassos lembrou que a tecnologia tem alterado a geopolítica do mundo e alertou para a necessidade do desenvolvimento tecnológico para garantir produtividade, perenidade e competitividade da indústria naval. “Estamos diante de um ciclo a partir de 2023/2024 e por diante maior do que foi retomada em 2013/2015, que foi série de replicantes e dos navios cessão onerosa”, afirmou.
No evento, o presidente do Sinaval, Ariovaldo Rocha, disse que a indústria naval brasileira está preparada para uma retomada consistente e dentro de suas possibilidades, pois se encontra com um quadro mais favorável do que no ciclo anterior, no início dos anos 2000. “Temos tudo para voltar de imediato. Tivemos problemas para retornar em 2002-2004 porque a infraestrutura não estava preparada e os treinamentos estavam insuficientes. Hoje, temos capacidade de retomar a indústria de imediato”, garantiu.
Rocha disse que o principal problema é a obtenção de garantias para o financiamento de grandes obras do país, como a construção de até 25 navios de cabotagem pretendida pela Transpetro, subsidiária da Petrobras. Ele contou que os estaleiros vêm conversando sobre este tema junto ao grupo de trabalho das duas empresas que trata do assunto.
Para Travassos, estruturar a indústria naval e torná-la perene ultrapassa a questão da demanda e passa por aplicar as lições aprendidas em ciclos anteriores. O diretor reforçou que não adianta entregar mais do que a indústria consegue fazer porque ela vai se propor a fazer naturalmente e pode não conseguir. Segundo Travassos, a partir do momento que começa um ciclo ruim em que a indústria não consegue entregar, ela não recebe pagamento da Petrobras e a companhia não recebe seus ativos prontos. “Não podemos e não vamos permitir que aconteça de novo. Precisamos ter controle de demanda equilibrada com a capacidade e com um ramp up dessa indústria”, garantiu.
Ele disse ainda que o novo ciclo demandará a qualificação de pessoas, inclusive a nível gerencial. Travassos salientou a importância de separar as questões de gestão que levaram aos problemas do último ciclo, o qual considera com alguns bons resultados, mas não dentro do esperado. Segundo o diretor, os envolvidos nos ‘maus feitos’ associados à Lava Jato precisam ser punidos, sendo uma questão a ser tratada na esfera da Justiça.
O presidente do Sinaval voltou a criticar que, ao punir acionistas de outros segmentos, a Lava Jato prejudicou a indústria como um todo, sem haver nenhuma comprovação de estaleiros envolvidos em corrupção.
Dados do Sinaval apontam que o Rio de Janeiro, que chegou a ter 45.000 trabalhadores empregados nessa indústria, hoje gera apenas 6.000. No Brasil, o número de empregos diretos dessa indústria caiu de 80.000, no final de 2014, para 21.000 atualmente. Rocha defendeu que o Rio de Janeiro volte a ser o carro-chefe da indústria naval brasileira. “Temos acompanhado o trabalho junto à Petrobras e ver o que é possível ser feito no Rio de Janeiro”, contou.
Travassos disse que, nos últimos 10 anos, houve aproximadamente 80 módulos entregues, o que representa uma média de 8 módulos de processo por ano (topsides). Em 2023, existe uma média de 26 módulos sendo construídos. O diretor da Petrobras ponderou que, 10 anos atrás, o peso médio de um topside era de 25.000 toneladas, enquanto no ciclo atual o topside pesa de 40.000 toneladas a 50.000 toneladas. Para as duas licitações em negociação da Petrobras (P-84 e P-85), os módulos chegarão a quase 70.000 toneladas. “Significa mais aço para processar, mais equipamento para instalar e mais tubulação para comissionar”, elencou.
Rocha, do Sinaval, acrescentou que os estaleiros já oferecem e continuaram a oferecer treinamento e capacitação em suas instalações. “Hoje, estamos muito melhor do que em 2002, quando reiniciamos a mão de obra brasileira. Temos capacidade de reinstalar mão de obra e engenharia de imediato”, garantiu. Ele projetou que o aumento da configuração dos módulos exigirá investimentos em nova engenharia, novos técnicos e novos equipamentos.
O presidente do Sinaval disse que a engenharia brasileira tem experiência e está mais madura para projetos de embarcações de apoio, assim como para integração de módulos de plataformas. Rocha admitiu que, por questões de competitividade, não é interessante ao Brasil construir cascos localmente. “Não interessa ao Brasil fazer casco. Até porque o casco é muito mais barato na China subsidiado (…) Interessa, mas não somos competitivos com o preço que a China hoje oferece para o casco. Somos competitivos para os módulos”, analisou.
A Petrobras também possui no radar a possibilidade de contratação de 36 barcos de apoio entre 2024 e 2025. Travassos disse que essas oportunidades serão inseridas paulatinamente no mercado e atenderão os estaleiros especializados em embarcações de apoio offshore. Ele acrescentou que o descomissionamento vai gerar uma oportunidade complementar para a indústria naval. A companhia prevê 26 unidades no horizonte 2023-2027, além de 28 unidades de 2028 até 2030 a serem descomissionadas no país.