Ariovaldo Rocha, do Sinaval: ocupação progressiva dos estaleiros

  • 02/06/2025

Sindicato, que completa 70 anos de fundação, destaca desafios e oportunidades que estão no radar no atual ciclo de recuperação da indústria da construção e da reparação naval

O Sinaval avalia que os próximos passos da retomada das atividades ligadas à indústria naval sejam no sentido do aumento progressivo da ocupação de todos os estaleiros. Após um período de quase 10 anos de baixa atividade, de 2015 a 2023, a avaliação do sindicato é que alguns deles já tiveram suas primeiras necessidades atendidas, mas ainda há estaleiros que deverão iniciar sua participação no atendimento às demandas já anunciadas pela Petrobras e pela Transpetro.

“Há necessidade da remoção de alguns obstáculos, como, por exemplo, a questão das garantias financeiras para que os contratos possam ser viabilizados, considerando-se que o antigo Fundo Garantidor não está em eficácia atualmente”, analisou Ariovaldo Rocha, presidente do Sinaval, que completou 70 anos de fundação, no último sábado (24).

Para o sindicato, a abertura de novos empreendimentos, como a exploração do pré-sal da Margem Equatorial, contribuirá para uma maior demanda por ativos, principalmente embarcações de apoio marítimo, em que o Brasil se especializou e é competitivo mundialmente. “Com providências adequadas do governo, cremos que a indústria naval crescerá e atingirá patamares não atingidos nos ciclos anteriores”, acredita Rocha.

O Sinaval também observa que, se o mercado de desmantelamento e reciclagem de navios e estruturas marítimas se consolidar, será possível ter um alívio nos períodos de baixa atividade dos estaleiros que se habilitarem a estas atividades. Rocha também projetou a construção de ativos para o mercado de energia eólica offshore, como possibilidade que representará uma atividade importante para a consolidação da indústria brasileira.

Em entrevista à Portos e Navios, Rocha lembra os períodos críticos nos quais a indústria precisou se reinventar e a superação dos desafios que levaram o país a se tornar um player importante no mercado de construções offshore. “Nesta retomada, alguns aspectos estão se repetindo, como é natural, levando em conta que tivemos um longo período de baixa atividade, muito inferior à capacidade instalada dos estaleiros”, avaliou.

Confira abaixo a entrevista com Ariovaldo Rocha, presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval).

Portos e Navios: Engenheiros, empresários e especialistas do setor naval sempre relatam desafios enfrentados em diversos projetos e momentos vividos pela indústria naval. Nessas sete décadas, com os chamados ciclos de ‘picos e vales’, quais foram os períodos que mais exigiram resiliência e ação por parte do Sinaval?

Ariovaldo Rocha: Houve alguns períodos críticos em que o Sinaval e seus associados tiveram que se desdobrar para cumprir exigências e analisar características específicas de projetos discutidos com os clientes e com o governo. Um desses períodos foi o dos primeiros Planos de Construção Naval, principalmente o primeiro e o segundo planos, em 1973 e 1975. Os estaleiros tinham se preparado e capacitado nos anos anteriores, mas a execução dos contratos desses PCNs revelou-se uma experiência muito além das estimativas dos estaleiros quanto à capacidade de entrega, nos prazos, das obras contratadas.

Houve, na época, uma grande necessidade de formação e treinamento de trabalhadores, o que pode ser evidenciado pelo número de empregos: de um total nacional de 19.200 empregos em 1972, o número saltou em 1975 para 23.000 e continuou crescendo nos anos seguintes até 1979, quando atingiu o máximo no período (39.000, o dobro do existente em 1972, em apenas sete anos).

As necessidades e os custos dessa mobilização estavam acima da capacidade de formação da indústria, exigindo esforços de entidades como o Senai, a FBTS e outras, e o aumento da utilização das “escolinhas” internas dos estaleiros. Empresas que apenas haviam construído navios de pequeno porte, como rebocadores e barcaças, de um momento para outros assumiram contratos de navios de grande porte, alguns até mesmo para exportação. Os desafios a serem vencidos ocorreram tanto no desenvolvimento da Engenharia quanto nos aspectos comerciais, exigindo, principalmente para a aquisição de equipamentos vitais não construídos no Brasil, um considerável esforço na formação de especialistas em Comércio Exterior.

Nessa época, a indústria naval não dispunha de equipamentos modernos de computação como os que hoje existem e os cálculos de Engenharia e projeto ocupavam um grande contingente de técnicos de alto nível, muitos deles formados e aperfeiçoados nos próprios estaleiros. O Sinaval e seus associados estiveram envolvidos em praticamente todas as discussões e negociações decorrentes dessas carências, que afetavam toda a indústria nacional, não apenas a indústria naval.

Outros períodos críticos ocorreram, como a construção, a partir de 2003, de ativos para exploração e produção de petróleo e gás natural, em que os estaleiros foram chamados a fornecer às empresas brasileiras de navegação (EBNs) os navios de apoio marítimo às plataformas demandados pela Petrobras e outros muito especializados, como os PLSV de lançamento de dutos submersos, os grandes navios petroleiros e os navios gaseiros, além das próprias plataformas.

Ressalte-se que todos os desafios foram enfrentados e superados pela indústria naval e offshore brasileira, que atingiu um alto grau de excelência e tornou-se um player importante no mercado de construções offshore. Nesta retomada, alguns aspectos comentados estão se repetindo, como é natural, levando em conta que tivemos um longo período de baixa atividade, muito inferior à capacidade instalada dos estaleiros.

PN: Considerando que as atividades ligadas à indústria naval já passaram por diferentes ciclos no Brasil, em qual momento os estaleiros brasileiros estiveram mais fortes e competitivos? Quais fatores permitiram esse desempenho, na visão do Sinaval?

Rocha: Os estaleiros estiveram mais fortes no período de 2003 a 2014, quando o governo brasileiro estimulou a instalação de novos estaleiros, de grande porte e atualizados em relação ao que de mais avançado havia no mundo, bem como a modernização dos já existentes. Os estaleiros deram, com seus investimentos, uma grande contribuição aos esforços governamentais de aumento da produção nacional de petróleo e gás natural para tornar o Brasil autossuficiente em petróleo. O Brasil tornou-se, nesse período, muito competitivo na construção de navios de apoio marítimo, chegando a ocupar a segunda colocação no mundo, atrás apenas da Noruega.

PN: Entre a variedade da carteira de embarcações, para diferentes segmentos da navegação, e ativos do setor de petróleo e gás já construídos no Brasil, quais são os ativos mais complexos já fabricados e entregues por estaleiros nacionais?

Rocha: Sem dúvida, os ativos mais complexos foram os navios de apoio marítimo e as plataformas de produção de petróleo, das quais algumas foram construídas integralmente no país e outras tiveram uma grande participação dos estaleiros brasileiros na construção dos módulos. Alguns navios de apoio marítimo têm sistemas de alta complexidade, como é o caso dos PLSV, especializados no lançamento de tubos submarinos para a indústria de petróleo e gás.

PN: Nesse momento de retomada, já com um contrato assinado para construção de novos petroleiros (Handy) e outros editais em andamento ou previstos, quais são os próximos passos para a indústria naval ganhar fôlego e consolidar uma carteira firme de projetos por um período mais razoável?

Rocha: A indústria naval vem de um longo período de quase 10 anos de baixa atividade, de 2015 a 2023. É natural, portanto, que os próximos passos sejam no sentido do aumento progressivo da ocupação de todos os estaleiros. Alguns deles já tiveram suas primeiras necessidades atendidas, mas ainda há estaleiros que deverão iniciar sua participação no atendimento às demandas já anunciadas pela Petrobras e pela Transpetro. Há necessidade da remoção de alguns obstáculos, como, por exemplo, a questão das garantias financeiras para que os contratos possam ser viabilizados, considerando-se que o antigo Fundo Garantidor não está em eficácia atualmente.

A abertura de novos empreendimentos, como a exploração do pré-sal da Margem Equatorial, contribuirá para uma maior demanda por ativos, principalmente navios de apoio marítimo, em que o Brasil se especializou e é competitivo mundialmente. Com providências adequadas do governo, cremos que a indústria naval crescerá e atingirá patamares não atingidos nos ciclos anteriores.

Se o mercado de desmantelamento e reciclagem de navios e estruturas marítimas se consolidar, poderemos ter um alívio nos períodos de baixa atividade dos estaleiros que se habilitarem a estas atividades. No futuro, a construção de ativos para o mercado de energia eólica offshore representará também uma atividade importante para a consolidação da indústria naval e offshore brasileira.

PN: Após a desmobilização que durou cerca de 10 anos e causou a perda de postos de trabalho, quais foram os principais avanços em termos de novas leis e políticas em prol da construção naval?

Rocha: O governo que tomou posse em janeiro de 2023 [Luiz Inácio Lula da Silva-PT] mostrou-se, desde o início, extremamente sensível aos princípios defendidos por nosso segmento industrial e vem trabalhando no sentido de remover as barreiras que dificultam ou impedem o desenvolvimento desta indústria, aperfeiçoando a legislação existente e produzindo novas leis que nos beneficiam. Temos uma Frente Parlamentar atuante e competente que nos facilita a interlocução com o Congresso.

Além disso, o Fundo da Marinha Mercante (FMM) vem aprovando com rapidez os principais projetos apresentados. Essas e outras iniciativas nos dão motivos de acreditar que, se houver continuidade nesse cenário, poderemos viver um novo ciclo de progresso e consolidar a indústria naval e offshore, recuperando o papel importante que ela tem na economia nacional, tanto na questão da geração de empregos quanto na distribuição de renda, além do desenvolvimento tecnológico.

PN: Hoje, quais são as ameaças técnicas, econômicas e políticas que o Sinaval ainda enxerga às atividades de construção e reparação naval no Brasil?

Rocha: As ameaças existem, dada a incerteza quanto à política internacional que afeta a economia das nações e pode repercutir em todos os países, inclusive no Brasil. Nos aspectos técnicos que dizem respeito à nossa indústria, não há, propriamente, ameaças, apenas há uma preocupação quanto às demandas futuras por mares mais limpos, uma “economia verde” e a transição energética que decorre da progressiva substituição do petróleo por energias renováveis, menos poluidoras.

Se nos mantivermos atentos às discussões nos órgãos internacionais, como a IMO, a OCDE e a OMC, as questões técnicas serão resolvidas no devido tempo. Mas a preocupação maior sempre será a geopolítica, com suas ameaças de rompimento da paz mundial, o que pode acarretar dificuldades imensas a todos os países. A resolução dessa preocupação, infelizmente, não está ao alcance de nossos esforços.

PN: O Sinaval é a favor de novas parcerias entre empresas brasileiras e grupos estrangeiros para troca de experiências e capacitação, a fim de angariar novos projetos no Brasil?

Rocha: Sim. Essas parcerias deram bons resultados no passado, nos vários ciclos de nossa indústria, e cremos que serão importantes neste novo ciclo de atividades. O Sinaval tem participado de reuniões e seminários com especialistas estrangeiros, no Brasil e no exterior, e essa troca de informações e experiências tem sido muito construtiva e estimulante.

PN: Além do que os estaleiros brasileiros já entregaram, quais são as oportunidades enxergadas pelo Sinaval para projetos de construções modernas e que atenderão às exigências que a transição energética vem impondo tanto ao setor de navegação quanto ao de energia?

Rocha: O Sinaval tem estado atento às oportunidades que podem surgir. Estamos acompanhando as discussões nacionais e internacionais quanto à transição energética, como as questões referentes a motores de propulsão movidos a combustíveis alternativos e a questão do “hidrogênio verde”, que se inserem na chamada “economia verde”. Também acompanhamos a questão da produção de energia eólica no mar. Sempre que possível, envolvemos nessas discussões nossos associados e, também, nossos parceiros da Abeemar [Associação Brasileira das Empresas da Economia do Mar] e seus associados.

Fonte: Portos e Navios – Danilo Oliveira
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