Agentes não enxergam impacto de Decreto do BR do Mar no curto prazo

  • 17/07/2025

Regulamentação apresentada prevê incentivos para afretamento de navios sustentáveis. Cerimônia, nesta quarta-feira (16), deu destaque à indústria naval, mas não detalhou medidas

Três anos e meio após a publicação, foi regulamentada a Lei 14.301/2022, que instituiu o programa BR do Mar, flexibilizando as regras de afretamento na cabotagem. Um dos destaques do decreto presidencial, que será publicado no Diário Oficial desta quinta-feira (17), são os incentivos de afretamento para empresas que utilizarem navios ‘sustentáveis’. Apesar de o governo manter projeções otimistas para o desenvolvimento do modal e expansão da frota, agentes ouvidos pela Portos e Navios não acreditam em efeitos imediatos e preferem aguardar normas para entender como ficarão as exigências de pontos específicos do decreto, que foi apresentado em cerimônia, nesta quarta-feira (16), em Brasília.

A Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (Abac) avalia que o decreto recebeu muita interferência de autoridades opinando sobre uma série de regras. O diretor executivo da Abac, Luis Fernando Resano, citou as relacionadas ao embarque de estagiários e praticantes, o que, futuramente, pode trazer exigências adicionais à atividade. “Ficou um decreto aberto para todo mundo interferir e todo mundo criar uma regra que pode ser mais engessante à cabotagem”, comentou Resano.

A associação mantém preocupação com a questão do navio sustentável, especialmente os afretados a casco nu, ainda que este tópico dependa da publicação de uma portaria pontuando quais as características de embarcações sustentáveis. “Até o momento, não muda nada do que está acontecendo. Preocupa um pouco quanto aos navios que já estão na cabotagem na bandeira brasileira não poderem mais permanecer na cabotagem brasileira”, analisou o diretor.

O decreto do BR do Mar prevê que a empresa brasileira de navegação (EBN) poderá ampliar em até 50% a tonelagem de sua frota própria com afretamento de embarcação estrangeira. Se hoje a empresa tem dois navios próprios, poderá alugar mais um semelhante em capacidade. Pelo decreto, este percentual subirá para 100%, caso a embarcação afretada seja sustentável. Se a EBN tiver embarcações sustentáveis, poderá afretar o dobro de navios tradicionais com a mesma capacidade. Caso contrate embarcações estrangeiras sustentáveis, poderá afretar até três navios.

A Associação Brasileira dos Usuários, de Transportes e da Logística reiterou posicionamento anterior de que não acredita nas cinco hipóteses de afretamento previstas no BR do Mar com potencial de alavancar a cabotagem, conforme vem sendo apresentado desde a publicação da lei. “Ele [BR do Mar] tinha uma outra finalidade, que era concentração de mercado por vias ‘transversas’. Na discussão no Congresso, conseguimos desarmar o fato de considerar como brasileiro o navio estrangeiro. Isso iria beneficiar duas ou três empresas, na intenção de concentrar o mercado dentro de um pacote disfarçado”, afirmou o diretor de transportes aquaviários da Logística Brasil, Abrahão Salomão.

Salomão entende que o decreto pecou ao não estabelecer o cumprimento efetivo de regras de afretamento por tempo. O diretor da Logística Brasil alega que a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) se nega a permitir o afretamento por tempo na cabotagem, criando ‘jabutis’ sob diversas nomenclaturas que ele não verifica em nenhuma parte do mundo. “Entendemos que esse decreto foi uma oportunidade perdida de fazer valer o que está na lei”, afirmou o empresário, que é sócio-diretor da Posidonia Shipping.

Ele também chama a atenção que o decreto trata de diversas outras questões aleatórias, como a tonelagem para restringir o afretamento a casco nu de embarcações estrangeiras, levando-as a serem registradas no Registro Especial Brasileira (REB). Na visão de Salomão, existe um risco de concentração de mercado diante da ausência de nível técnico adequado para analisar esses processos para atestar essa tonelagem. “De maneira geral, é esperar para ver o que vai acontecer. Não acreditamos em nenhum salto ou mudança de rumo em razão do decreto”, concluiu.

Construção naval
Apesar da ausência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por compromissos de agenda e em razão das discussões sobre o ‘tarifaço’ norte-americano nos últimos dias, a cerimônia deu destaque a representantes da indústria naval. O Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore avalia que, embora não atenda 100% a indústria naval brasileira, o decreto regulamentador dá conforto, pelo menos, para dar continuidade nessa indústria que, historicamente, vive em ciclos alternados de aquecimento e ociosidade.

“Acreditamos que as políticas de Estado que estão sendo implementadas neste governo garantirão a perenidade e a sustentabilidade da nossa indústria e de sua extensa cadeia produtiva, com competitividade à frente da indústria naval e de outros países, sem descontinuidade”, afirmou o presidente do Sinaval, Ariovaldo Rocha.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aquaviário e Aéreo, na Pesca e nos Portos acredita que a regulamentação fortalecerá a Lei 14.301/2022 e tornará o programa BR do Mar mais equilibrado e mais justo para os trabalhadores. A CONTTMAF defendeu a exigência de emprego de dois terços de marítimos brasileiros a bordo dos navios, que havia sido vetada no governo passado.

A entidade considera essa contrapartida justa pelos incentivos que a legislação prevê para as empresas que atuarão na cabotagem brasileira por conta desse programa. “Consideramos que foi um erro grave [veto], contrário aos interesses do Brasil e dos trabalhadores brasileiros. (…) Felizmente, o MPor encontrou uma solução para corrigir o rumo que, na nossa avaliação, seria muito desastroso. Essa mudança representa um passo importante para trabalhadores brasileiros”, afirmou o presidente da Conttmaf, Carlos Müller.

Um levantamento da CONTTMAF entre países do G7 e do BRICS apontou que todos os países desses blocos protegem a cabotagem, incentivam a marinha mercante nacional e o emprego de trabalhadores nacionais. “Os mecanismos de proteção dos países mais desenvolvidos do G7, e também da China, da Rússia e da Índia garantem a esses países, além da cabotagem nacional, algo que o Brasil ainda não tem: capacidade de controlar sua frota mercante para que nosso comércio exterior não dependa exclusivamente de outros países”, disse Müller.

Em seu discurso, o ministro de portos e aeroportos, Silvio Costa Filho, ressaltou que o decreto foi construído efetivamente nos últimos dois anos, com a participação de sindicatos, entidades, e de representantes do setor produtivo, setor aquaviário e da indústria naval brasileira. “Esse programa terá efeito importante no fortalecimento da indústria naval, mas sobretudo terá impacto no fortalecimento da cabotagem do Brasil”, afirmou Costa Filho.

Fonte: Portos e Navios – Danilo Oliveira