RIO, BRASÍLIA E SÃO PAULO – Para uma plateia de empresários do setor naval, a presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, afirmou ontem que a prioridade de aumentar a produção de petróleo está acima da contratação de encomendas junto à indústria nacional. Graça Foster falou durante evento de assinatura de contratos para a encomenda de oito embarcações de apoio às atividades de exploração e produção offshore (no mar), quinta etapa do Programa de Renovação de Frota de Apoio Marítimo (Prorefram).
A executiva justificou o fato de, em alguns momentos, a petrolífera buscar fornecedores externos, em vez de fechar contratos com a indústria nacional, como determina a política governamental. O índice de conteúdo local – ou seja, o quanto de bens e serviços “made in Brazil” um projeto naval deve ter – varia de 50% a 60%.
– Não é possível fazer tudo (no Brasil). Mais do que isso, a Petrobras não pode esperar. Não há nada, absolutamente nada, hoje sobre a mesa que justifique atrasar a nossa curva de óleo. Não é prioridade para nós nenhuma contratação que coloque em risco a nossa curva de produção. É exatamente esse óleo novo que nos dá segurança que a indústria naval, nossa fornecedora, veio para ficar e para ter conosco prestígio e a responsabilidade que é preciso ter – destacou Graça.
Em janeiro, a produção de petróleo e gás da Petrobras caiu 2,2% sobre dezembro de 2012, para 2,31 milhões de barris diários. A média do ano passado ficou em 1,9 milhão, e a estatal espera elevá-la em 7,5% este ano, para 2 milhões de barris por dia.
A afirmação de Graça agradou a especialistas, mas pode gerar algum desconforto dentro do governo, por causa da política de incentivo à indústria nacional. Procurado, o Palácio do Planalto disse que não iria se pronunciar.
Sem ‘jeitinho’
No recado aos empresários, Graça Foster se referia às dificuldades da indústria nacional de atender a todas as encomendas previstas no Prorefam, que totalizam 146 embarcações de apoio, inclusive as do pré-sal. Deste total, apenas 87 foram encomendadas até agora — oito contratadas ontem. Essas embarcações são construídas em estaleiros no Brasil por armadores nacionais que afretam (alugam) os equipamentos à estatal.
A presidente da Petrobras foi enfática ao dizer que, apesar de todo apoio da estatal ao desenvolvimento da indústria naval nacional, não iria atrasar a produção.
– Não há sobre a mesa nenhuma prioridade da indústria naval brasileira, coreana, chinesa, frente à nossa curva de óleo. O controlador da Petrobras (o governo) é muito claro, e as políticas comerciais da empresa com seus fornecedores também são. Vamos contratar no Brasil tudo que for possível ser feito no país e que seja competitivo em relação a outras oportunidades fora do Brasil.
Para Graça, não haverá “jeitinho”:
– Essa é uma atividade em que não é possível dar um jeitinho. Temos uma dificuldade diária permanente com a indústria fornecedora de bens e serviços no mundo, de forma geral. O presidente Lula decidiu, e a presidente Dilma dá continuidade à importância da recuperação da indústria naval no Brasil, e assim tem sido feito – disse ela. – É importante que as encomendas sejam no Brasil, mas de uma forma distinta (da que é hoje), e sabedores de que a prioridade é o óleo produzido.
A gerente executiva de Exploração, Produção e Serviços da Petrobras, Cristina Pinho, disse que, apesar da dificuldade que a companhia tem em fechar encomendas, espera que na sexta e sétima etapas do Prorefam se consiga atingir a contratação das 146 embarcações de apoio. Segundo Cristina, para a sexta etapa, a companhia recebeu propostas para 26 embarcações. A Petrobras quer assinar os contratos até 30 de abril.
Já a sétima e última etapa do programa deverá ser fechada até outubro.
O sistema de conteúdo local é uma ferramenta de política industrial definida e regulamentada pelo governo, cujo objetivo é aumentar a parcela nacional de bens e serviços da cadeia de petróleo e gás natural em bases competitivas. Nas rodadas de licitação de blocos de petróleo e gás, as ofertas apresentadas pelas empresas são compostas por três itens: programa exploratório mínimo, bônus e compromisso de conteúdo local. Desde a primeira rodada, em 1999, a ANP estabelece requisitos mínimos de conteúdo local.
O presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval), Ariovaldo Rocha, afirmou que a indústria naval brasileira tem cumprido os prazos de entrega das encomendas da Petrobras. Rocha destacou que os estaleiros têm interesse em conseguir o máximo de encomendas possível, mas que há ainda a necessidade de compras de equipamentos nos estaleiros internacionais, especialmente da Ásia:
– A Petrobras é o principal cliente da construção naval brasileira, e os estaleiros cumprem sua missão estratégica. O volume das entregas de navios e plataformas de produção representam o resultado concreto do trabalho realizado.
Segundo ele, os estaleiros brasileiros entregaram, em 2013, seis plataformas de produção, dois navios petroleiros, 21 navios de apoio, dez rebocadores e 44 barcaças de transporte fluvial. A meta dos estaleiros, segundo Rocha, é prosseguir realizando investimentos e formando recursos humanos para ampliar a competitividade. Hoje, os estaleiros respondem pelo emprego direto de 78 mil pessoas no país.
O presidente da Associação Brasileira de Construção Naval e Offshore (Abenav), Augusto Mendonça, afirmou que a indústria naval brasileira tem capacidade e condições de atender plenamente à demanda das 146 embarcações para a Petrobras. O que aconteceu, segundo ele, foi o questionamento por parte da Petrobras em relação a alguns preços apresentados pelas empresas.
– Ela (Graça Foster) tem razão quando prioriza as atividades da Petrobras. O setor vem se preparando e investindo ao longo dos últimos anos e agora começa a atingir sua maturidade. Entendo como uma mensagem de alerta, passamos pela fase de retomada, de curva de aprendizado, é hora de dar resultados – disse.
Reajustes abaixo do esperado
A questão de metas de produção não é, porém, o único problema da Petrobras. Em outubro, a empresa perdeu US$ 24 bilhões em valor de mercado em um só dia, após as ações caírem 10,3% na Bolsa, a maior queda em cinco anos, com a divulgação de reajuste de 4% no preço da gasolina e de 8% no do diesel.
Os percentuais, abaixo do esperado, foram entendidos como uma intervenção na política de preços da estatal. A queda de braço entre o Ministério da Fazenda (preocupado em segurar a inflação) e a empresa começou após a Petrobras ter anunciado a possibilidade de adotar um sistema de correção automático de preços.
Fonte: O Globo – Ramona Ordoñez