Petrobras reafirma compromisso com conteúdo local, mas reconhece necessidade de encomendas no exterior. O conteúdo local continua sendo um desafio para a indústria nacional acompanhar o ritmo de projetos do setor naval e offshore. Diante do crescimento previsto até 2020, a Petrobras reitera compromisso de cumprir as metas, descarta alterá-las, mas reconhece a necessidade de encomendas em estaleiros fora do país para conseguir atender aos prazos. A petroleira destaca em nota, por meio de sua assessoria de imprensa, as demandas que têm permitido aos estaleiros e aos construtores de módulos percorrerem uma nova curva de aprendizado, incorporando melhores técnicas de planejamento, construção, montagem e produtividade. A companhia enfatiza que o processo de recuperação da indústria naval-offshore brasileira em andamento demanda tempo. “A participação de estaleiros do exterior tem objetivo de colaborar com aumento da produtividade das obras, visando ao alcance dos prazos dos empreendimentos.”
Em 2013, a Petrobras negou que a realização de obras das plataformas P75, P76, P77 (cessão onerosa) e P67 (FPSO replicante) no exterior representasse descumprimento das regras ou dos percentuais de conteúdo local. Na ocasião, a estatal reafirmou compromisso com o conteúdo local e com o desenvolvimento da indústria naval brasileira, acrescentando que investiu na construção do estaleiro Rio Grande (RS) e na revitalização do estaleiro Inhaúma (RJ), desativado há mais de 10 anos. A companhia informou ainda que “o índice de conteúdo local contratado é imutável e a Petrobras não cogita alterá-lo”.
Das nove plataformas recebidas pela Petrobras em 2013, seis foram total ou parcialmente construídas no Brasil. Atualmente, estão em construção no Brasil 14 plataformas de produção, sendo duas com construção e integração de módulos sobre cascos convertidos em estaleiros da Ásia.
Em julho, o diretor de exploração e produção da Petrobras, José Formigli, apresentou a demanda de 72 plataformas, incluindo as novas áreas da cessão onerosa. Até 2020 estão previstas as entregas de 31 plataformas, incluindo as 14 já em construção. Outras 41 plataformas estão previstas até 2030. Uma parte da demanda será atendida por estaleiros locais e uma parte será atendida por estaleiros internacionais, através de contratos de afretamentos com gestoras de ativos e integradoras de sistemas que já são parceiros da Petrobras.
O assessor da presidente da Petrobras para conteúdo local e coordenador executivo do Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp), Paulo Alonso, ressalta que as políticas de conteúdo local não devem ser protecionistas, mas de incentivo. Ele diz que o tema ganhou relevância global nos últimos dez anos. “O objetivo principal de uma política de conteúdo local eficaz é promover a participação da indústria nacional nos projetos de petróleo e gás em base sustentável e competitiva. Políticas governamentais devem ser encorajadoras, não de proteção”, defendeu Alonso, em junho, durante congresso na Rússia.
Na ocasião, ele ressaltou que o poder de compra de grandes companhias estatais de petróleo é um poderoso instrumento para o desenvolvimento local, de fabricantes e de prestadores de serviços. O executivo disse ainda que instituições de ensino têm papel essencial, especialmente em países onde faltam profissionais qualificados.
Ele citou a qualificação de mais de 95 mil profissionais desde 2006 no âmbito do Promimp, entre soldadores, mecânicos, eletricistas, administradores, técnicos de automação e controle e engenheiros para trabalhar na indústria do petróleo. “Um plano amplo deve ser concebido para criar uma massa crítica de engenheiros, administradores e técnicos para alimentar a indústria de petróleo e gás em uma base sustentável”, disse Alonso.
Para o sucesso da exploração do pré-sal, a Associação Brasileira das Empresas de Construção Naval e Offshore (Abenav) prevê a compra de 81 unidades de plataformas de produção e sondas de perfuração, 196 barcos de apoio, 72 petroleiros e uma série de outros equipamentos até 2020. Somente para o campo de Libra, a entidade acredita que serão contratadas obras para 13 plataformas de produção e para 50 embarcações de apoio.
Para a Petrobras, os desafios relacionados à competitividade ainda precisam ser superados para que os estaleiros nacionais consigam atingir plena capacidade de atendimento às demandas da companhia: aumento da capacidade instalada, a superação de gargalos tecnológicos em construção e montagem, a gestão de planejamento e engenharia industrial, a melhoria da produtividade, a formação de profissionais qualificados e o fortalecimento da indústria de navipeças.
À Portos e Navios, a Petrobras afirma que sua estratégia de contratação em lotes e com exigência de conteúdo local gerou oportunidade para os estaleiros nacionais obterem escala e avançarem suas curvas de aprendizado, além de permitir a ampliação de suas bases de fornecimento local de equipamentos específicos para embarcações. “Juntam-se a isso a exigência da Petrobras e da Transpetro, a partir de março de 2013, dos estaleiros nacionais realizarem parcerias tecnológicas com os principais estaleiros internacionais, compartilhando conhecimentos, processos, e projetos das instalações industriais”, destaca a Petrobras.
Para o presidente do Sinaval, Ariovaldo Rocha, a construção naval brasileira é bem estruturada por conta da demanda firme de encomendas. “Os problemas pontuais em algumas localidades já estão sendo equacionados e tendem a ser resolvidos com soluções de mercado que preservem os contratos para construção de embarcações, módulos e plataformas para exploração e produção de petróleo e, também, os empregos criados em diversos estados”, afirma Rocha.
Os contratos dos cascos, módulos e as integrações de seis novas FPSO replicantes (P-66, P-67, P-68, P-69, P-70, P-71) e das quatro FPSO da cessão onerosa (P-74, P-75, P-76 e P-77), em conversão a partir de navios existentes, estão com serviços em andamento por meio de uma rede de fornecedores e parceiros contratados pela companhia no Brasil e no exterior. No caso dos FPSO replicantes, a Ecovix, com base em Rio Grande (RS), é a responsável pela construção dos cascos. Os pacotes de módulos estão com o consórcio MGT, em Itajaí (SC), com a Iesa Óleo e Gás, em Charqueadas (RS), e com o consórcio Tome-Ferrostaal, em Maceió (AL).
Os pacotes que contemplam outra parte dos módulos mais a integração das plataformas estão com a Lindel (P-66 e P-69), em Angra dos Reis (RJ), com a Integra Offshore – Mendes Junior e OSX – (P-67 e P-70), em São João da Barra (RJ), e com a Jurong (P-68 e P-71), em Aracruz (ES). O casco da P-66 está em fase final em Rio Grande (RS), enquanto o casco da P-67 está em fase avançada com execução da junção de megablocos estruturais. Os módulos avançam em paralelo, de acordo com os cascos.
Já a conversão dos cascos das plataformas da cessão onerosa (P-74, P-75, P-76 e P-77) está sob responsabilidade do Estaleiro Enseada, no estaleiro Inhaúma (RJ). Segundo a Petrobras, toda a inspeção estrutural e a definição do escopo de renovação estrutural foram concluídas para os quatro cascos. A construção dos módulos também está em andamento em todos os contratos, avançando paralelamente, e culminará na etapa de integração.
A construção dos módulos e a integração das plataformas está dividida da seguinte forma: para o FPSO P-74 a Estaleiros do Brasil (EBR) é a empresa responsável, e tem seu complexo industrial em implementação em São José do Norte (RS); para o FPSO P-76 os serviços estão com o consórcio Techint/Technip, que atua com canteiro em Pontal do Paraná (PR); e para os FPSO P-75 e P-77 foi contratado o consórcio QGI Oil & Gas Incorporation, que possui canteiro em Rio Grande (RS).
Além das unidades de produção, serão construídas 29 sondas de perfuração de poços de petróleo, com investimentos estimados em US$ 25,5 bilhões. O BNDES será um dos principais financiadores da Sete Brasil, com crédito da ordem de US$ 8,7 bilhões para essas sondas em duas etapas. As sondas vão operar alugadas para a Petrobras em contratos de longo prazo.
Após oito anos de descoberta, a extração nos 25 poços explorados do pré-sal atingiu em junho a produção de 520 mil barris diários de petróleo. “Os dados que temos nos levam a crer que temos um excepcional potencial de produção”, afirma a presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster. A meta da companhia é atingir a produção diária de 4,2 milhões/dia. A Petrobras projeta 24 novas plataformas até 2020.
Alonso, da Petrobras, diz os grandes estaleiros precisam da cadeia de suprimentos por perto. Ele defendeu a atração de fornecedores estrangeiros para trabalhar em conjunto com fornecedores nacionais e enfatizou que os desafios do setor serão superados. “A indústria naval brasileira é um avião que está passando por intervenção em voo. Temos consciência de que, com a Petrobras trabalhando junto à cadeia de fornecedores, os desafios serão superados”, garantiu Alonso.
Ele lista quatro desafios que a indústria naval brasileira enfrenta atualmente para voltar a ser uma das mais importantes no cenário internacional: planejamento e gestão, capacitação da mão de obra, integração da cadeia de suprimento e engenharia. O executivo lembra que o setor passou por 15 anos de estagnação e hoje cresce novamente graças às encomendas da Petrobras. “Tivemos momento de recuperação da indústria naval desde 2003 com as encomendas da Petrobras. Não apenas com os programas de renovação e modernização da frota, mas com encomendas de 38 plataformas de produção, 28 sondas de perfuração e 88 navios, sendo 49 da Transpetro e outros 39 da Petrobras, e 146 barcos de apoio”, ressalta Alonso.
A respeito da mão de obra do setor, o executivo aponta a necessidade de capacitação. “Essa indústria ficou praticamente parada por mais de 15 anos e, quando ela ressurge, a gente não consegue recuperar essas habilidades da noite para o dia. São caldeireiros, eletricistas, soldadores, delineadores que precisam ser treinados de novo nessas habilidades”, diz Alonso.
O professor do Departamento de Engenharia Naval e Oceânica da Universidade de São Paulo (USP), Rui Carlos Botter, não acredita que a construção de plataformas seja afetada durante a transição de governo, independentemente do vencedor das eleições. Ele acha pouco provável que o setor volte para trás ou que cancele encomendas porque o mercado da engenharia naval se consolidou no Brasil. “Talvez a construção de navios possa ser mais afetada porque os estaleiros dedicados a navios possuem pouca competição com estaleiros estrangeiros e não estariam preparados para enfrentar o mercado estrangeiro ou exportar navios”, analisa Botter.
Fonte: Portos e Navios – Danilo Oliveira